3.
Anulação imediata de todos os contratos celebrados por anteriores governos com
entidades privadas –
Estão em causa sobretudo as PPP mas não só, uma vez que muitas empresas
sobrevivem apenas por estarem coladas ao Estado. Não discuto a questão abstracta
das relações entre o Estado e os privados, porque muitas das coisas a serem
desfeitas até podem ter alguma razão de ser em teoria. Mas nada disto faz
sentido num contexto de corrupção moral generalizada, onde urge eliminar do
sistema todos os elementos virais, quer estejam no Estado ou nos privados.
Normalmente, o que os governos fazem é interferir na vida privada, mas
consideram que as relações das quais Estado faz parte são intocáveis. Contudo,
é precisamente o contrário do que devia ocorrer, porque aquilo que é de domínio
privado afecta geralmente um número limitado de pessoas, além de já estar
sujeito a regulamentação legal. Os contratos assinados pelo Estado são, desde
logo, uma ligação indirecta a todos os contribuintes, além de serem um exemplo
para todos: quando o Estado não paga a horas ou faz contratos ruinosos está a
dar maus exemplos que tendem a ser seguidos por muitos.
Existe uma dificuldade em desfazer qualquer
contrato ruinoso, muito porque os interessados estão bem relacionados com os
partidos e têm muitos comentadores “isentos” a trabalhar para eles na
comunicação social. Especificamente sobre as PPP rodoviárias, uma vez
construídas uma série de auto-estradas custando um milhão de euros por
quilómetro, alguém tem que as pagar. Mesmo que seja um acto simbólico, parte
dessa dívida deve ser paga pela venda de todos os bens dos empresários que
beneficiaram de contratos imorais com o Estado, e o mesmo se diga para o
património dos políticos que serviram de agentes no negócio. Pode-se alegar
sobre a dificuldade em classificar um contrato de imoral, contudo, uma
investigação elementar caso a caso mostra que não é nada difícil fazer essa
classificação a não ser para pessoas de má formação de berço.
4.
Abolição da actual constituição portuguesa – A constituição portuguesa sofre de,
pelo menos, dois pecados capitais. O primeiro e mais óbvio é o seu viés
socialista, que não foi possível remover com as diversas alterações ao
documento, uma vez que este foi originalmente concebido para tornar Portugal
num país comunista. Mas há um outro problema mais subtil e que não está apenas
na constituição mas em grande parte da legislação: a ambiguidade. Qualquer lei
deve ser clara, cabendo ao juiz fazer o difícil trabalho de adaptar essa lei
cristalina à sempre confusa situação real. Quando a lei é dúbia, então o juiz
pode muito bem fazer o que entender, porque sempre a realidade dará argumentos
a favor e contra qualquer interpretação. A longo prazo produz-se um resultado
ainda mais perverso: mesmo quando as leis forem claras, os juízes irão
continuar a interpretar a lei de forma aleatória porque é essa a forma que eles
já entranharam de desempenhar a sua função, o que naturalmente também será
aproveitado pelos advogados.
O exemplo mais notório desta situação foi o
chumbo do Tribunal Constitucional ao corte dos subsídios de férias e de Natal
dos funcionários públicos e pensionistas, por alegada violação do princípio de
igualdade na repartição de esforços entres estes e o sector privado. Esta
reflexão é legítima num quadro político mais amplo, onde se pode aferir um grande
conjunto de factores. Podemos alegar que o Tribunal Constitucional é
precisamente um órgão político, contudo ele apenas se pronuncia sobre questões
concretas que se lhe colocam – como faz qualquer outro tribunal comum, que pode
julgar um crime de alguém mas não a pessoa na sua totalidade –, pelo que não
faz uma verdadeira avaliação política mas antes introduz distorções no campo
político matizadas consoante as questões que averigua. Trata-se obviamente de
um órgão aberrante, que coloca nos bastidores o verdadeiro centro do poder, tal
como acontece com o recurso aos tecnocratas. Isto acontece quer o tribunal faça
decisões acertadas ou erradas, derivando da sua simples existência: é utópico
imaginar um tribunal constitucional justo e neutro.
Tal implicaria que o tribunal se pronunciasse sobre todos os aspectos implicados
numa situação, que são sempre em número ilimitado. Por exemplo, nesta questão
da repartição dos esforços entre público e privado, teriam que ser vistos todos
os pontos onde esse princípio seria afectado, pelo que o tribunal iria fazer
uma autêntica plano dirigista comunista para igualizar os dois sectores,
decidindo sobre ordenados, números de despedimentos, horários de trabalho,
volumes de trabalho, períodos de férias, etc.
Nunca há garantias de conseguir escrever uma constituição
que realmente seja benéfica para um país, ainda que concebida segundo os
melhores princípios, como elenquei (integridade do território e da língua,
proibição de cedências de soberania, garantias de cada cidadão poder se
defender até do próprio Estado, etc.), em parte pelas razões que acabei de
referir. Há sempre a possibilidade de ter uma constituição não escrita, que é
um conjunto de princípios que se encontram na prática disseminados por vários
órgãos e nas relações entre eles. Esta é a forma ideal e que assume que o poder
deve estar distribuído e que os valores só podem ser defendidos se fizerem
parte da orgânica da própria sociedade. Mas já ganharíamos algo se não
tivéssemos uma constituição que não tentasse impor o socialismo.
1 comentário:
Mário,
Essa questão relativa à constituição é fundamental pois aqui se toca no tema "soberania", que por sua vez invoca uma discussão ainda mais ampla, onde a religião não pode ser posta de lado. Essa sua análise a respeito do papel de um Tribunal Constitucional é muito boa. Feliz será o dia em que puder presenciar um jurista a compreender o absurdo da existência de tal órgão, mas acho que isso não vai acontecer enquanto não for fundada uma "Universidade".
Um abraço.
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