O que
despoletou, em termos formais, a manifestação e o desapontamento geral com o
governo foi o anúncio da alteração na TSU, em que uma subida desta contribuição
social por parte dos trabalhadores seria compensada por uma descida da parte
das empresas. Povo e comentadores reagiram como se estivessem a ver claramente
todas as hipóteses em cima da mesa e os efeitos a curto e longo prazo. Começo
por supor que assim é.
Se a mexida
da TSU é inviável, então é porque há uma alternativa totalmente distinta. Mas essa
alternativa só pode situar-se fora do quadro definido pelo actual resgate
financeiro – que não dá qualquer margem para alterações de fundo e não é com
cortes nas “gorduras” do Estado que a situação se irá alterar
significativamente. Se defendemos a manutenção da situação actual, então
estamos a querer dizer que algum tipo de subida de impostos é inevitável, provavelmente
ainda mais gravosa que a alteração na TSU, como de resto veio a acontecer com a
anunciada alteração dos níveis do IRS e “aumento enorme de impostos” (com a
ressalva de que isto ainda deveria ocorrer caso as alterações à TSU tivessem
avançado). O PS diz que esta troca é um logro político, pelo que deve ter toda
a razão, uma vez que se trata de um partido especialista em tais manobras.
Ao menos
neste aspecto, devemos saudar os organizadores da manifestação, já que pediram
explicitamente que a troika se
retirasse do país. Claro que eles não exigem isto tendo em vista a
implementação de um plano estruturado de reconstrução do país. Eles querem o
fim do resgate financeiro para que se instale a bancarrota e a situação se
torne anárquica, dando-lhes uma abertura para a tomada do poder e iniciar,
assim, um período revolucionário que possa fazer de Portugal uma nova Cuba, uma
Albânia ou até mesmo, se não é sonhar muito, uma Coreia do Norte. E tivemos
gente de “direita”, liberais e conservadores a participar na manifestação sem perceberem
o que estava em causa. Parecem acreditar que “ o inimigo do meu inimigo meu
amigo é”, quando São Tomás de Aquino (e antes dele, Aristóteles) assinalou que
a amizade não é apenas rejeitar as mesmas coisas mas também querer as mesmas
coisas.
Aqueles que
se querem assumir como formadores de opinião tinham a obrigação de avaliar a
alteração à TSU num quadro amplo, começando por descrever a verdadeira situação
do país e quais as medidas que podem realmente trazer mudanças de fundo. Mas
preferiram reagir na base do imediatismo, dizendo aquilo que lhes sossega o
espírito e possa ecoar nos públicos que têm como referência. Alegram-se por
fazer oposição a uma má medida sem perceberem que em troca vão ter apenas uma
medida igual ou pior.
Era também
uma oportunidade para discutir a própria existência da TSU e da segurança
social nos actuais moldes, o que vi apenas ser feito de maneira tímida por
muito poucos. A segurança social, devido à fraca capitalização e ao favorecimento
dos que já estão “instalados” (e alguns estão bem mais “instalados” do que
outros), é uma fraude financeira do género do ponzi scheme. Este é um tipo de investimento fraudulento bem
conhecido, com semelhanças ao esquema de pirâmide, mas com maior robustez
enquanto continuarem a entrar novos investidores. No caso da segurança social,
os novos investidores são os actuais contribuintes e os futuros. Contudo, o
esquema de funcionamento da actual segurança social é ainda mais tenebroso do
que o ponzi scheme. Todos somos
obrigados a contribuir para a segurança social mas a entrada no ponzi scheme é opcional (mas apesar
disso este esquema é punido criminalmente e muito justificadamente). Pior
ainda, sendo um esquema que depende da entrada de novos contribuintes, a
segurança social entra em choque contra uma série de políticas activas de
destruição da natalidade: abortismo, casamento gay, e todo o género de “pequenas”
dificuldades criadas para quem quer ter filhos e que leva a muitos casais a
adiar ou abdicar da paternidade. As massas vão aceitando tudo isto porque lhes
dizem que é a inevitabilidade do progresso, que são as conquistas da liberdade,
quando nunca as pessoas foram tão prisioneiras da situação e o único progresso que
se assiste é o da conduta simiesca.
Não é por
acaso que se aconselhava a praticar a caridade de forma discreta e, de
preferência, até anonimamente. Quando os políticos falam em solidariedade feita
à custa de dinheiro alheio devemos desconfiar das suas verdadeiras intenções.
Hitler usou esta “solidariedade” para comprar os votos do povo, e é raro o
político que não ceda a esta tentação. Nos Estados Unidos, o New Deal foi a porta de entrada para o
Estado social, cujo verdadeiro objectivo foi o enfraquecimento da alma dos
indivíduos, tornando-os apáticos e medrosos, por forma a aumentar o poder
daqueles que mandam no Estado sobre as populações. Esta concentração de poder
foi adoptada no mundo inteiro, por vezes mais ferozmente em países ditos
capitalistas do que nos socialistas. Actualmente estamos numa fase bem mais
avançada, dado que a segurança social não se limita a comprar os votos povo e a
enfraquecer a vontade dos indivíduos. Ela tornou-se agora numa estratégia de
longo prazo tendo em vista a destruição das nações, que ficam obrigadas a
prover a uma série de “direitos adquiridos” até se atingir um ponto de ruptura.
A este respeito, ver, por exemplo, a estratégia Cloward-Piven:
A discussão
pública fragmentou-se numa miríade de questões subatómicas, cada uma delas
totalmente irrelevante e baseada em abstracções que nada dizem. Mas quem se viciou
neste tipo de questiúnculas, pensa ter encontrado nestes infinitésimos o solo
duro da realidade. Qualquer tentativa mais ampla de avaliar as situações
parece-lhes teoria da conspiração, ainda que lhes mostrem as evidências que
estão diante dos seus olhos.
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