O que uniu aquelas pessoas que
se manifestaram no dia 15 de Setembro? Formalmente tratou-se de uma
manifestação contra o governo e contra a troika. Mas ninguém acredita
que todas aquelas pessoas queriam prescindir do resgate que o país vive e
iniciar um caminho totalmente diferente, se bem que isso tivesse algumas
vantagens. As pessoas estavam obviamente unidas por um sentimento de
insatisfação, mas se perscrutarmos as causas dessa insatisfação descobrimos
algumas coisas curiosas. Enquanto muitos protestavam contra a anunciada redução
efectiva de salários no sector privado, via ajustamento da TSU, outros
queixavam-se da degradação da situação dos funcionários públicos. Obviamente
que as duas pretensões implícitas são contraditórias no quadro actual. Uma
jovem de ar confuso reclamava que era cada vez mais difícil arranjar estágios
profissionais porque estavam sempre a sair novos alunos das universidades a
fazer-lhe concorrência, mostrando pouca solidariedade para com muitos dos seus
colegas de protesto que anseiam por uma primeira oportunidade profissional. Se
pensarmos em termos de pretensões mais conceptuais, havia quem queria
claramente mais socialismo e quem queria menos Estado, assim como quem queria
mais solidariedade europeia e aqueles que queriam desligar-se da Europa e do
Euro.
Isto
quer dizer que, se aquelas pessoas estivessem devidamente organizadas pelas
suas pretensões, assumindo um discurso em conformidade e fazendo as exigências
em consonância – ou seja, exigindo que outros assumam uma série de deveres
correspondentes aos direitos que elas reivindicam –, então, não haveria ali
qualquer união mas uma série facções degladiando-se. Na realidade, é
exactamente isso que acontece mas cada indivíduo não tem disso uma consciência
clara (porque a paga entre direitos e deveres não é directa), apenas uma
desconfiança difusa em relação a todos, que se materializa em certas circunstâncias
contra um bode expiatório. Em geral, são os próprios governantes que usam esta
estratégia para concentração de poder, através da variante “dividir para
reinar”. Ou seja, é mais fácil reinar quando o grupo está dividido em várias
facções, cada uma delas com pouca consciência do estado geral de coisas, pelo
que acabam por ceder ao poder mais focado e consciente de si mesmo e da
situação geral.
Mas
quando os governos são pouco hábeis politicamente, a mesma estratégia pode ser
usada por forças com pouca expressão eleitoral, que desta forma tentam
representar uma pretensa consciência unitária do grupo. Para isso, é necessário
domínio das modernas técnicas de propaganda e apoio da comunicação social, dois
requisitos cumpridos pela extrema-esquerda, em especial pelo BE. Uma carrinha
de caixa aberta distribuía aleatoriamente cartazes aos manifestantes, que os
aceitavam acefalamente, recebendo assim uma consciência emprestada. O cenário
orweliano está montado e quem entrou nele sem pestanejar pode ter sofrido danos
irreversíveis para a sua inteligência.
Passaram uns dias e o governo
recuou na alteração à TSU, para aumentar o IRS, e o resultado global para a
economia pode ainda ser pior. Mas todos reclamaram vitória e fingem que se está
a debater algo de relevante. O cidadão comum saltou do tacho para a frigideira,
deverá estar um pouco confuso. Valerá a pena entrar em nova manifestação e
correr o risco de ser colocado no micro-ondas?
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