Na
série anterior de posts, tomei como base um evento recente e,
analisando o comportamento dos vários actores em cena, tentei
evidenciar o clima de morte “eminente” que o país vive. Pode
parecer muito dramático, mas falar em fim de ciclo ou fim de regime
não me parece suficiente.
Agora
vou tomar um ponto de vista diferente e, por assim dizer, mais
estrutural. Nos últimos anos não deve ter havido um único
noticiário que não tenha referido a duvidosa viabilidade económica
e financeira de Portugal. A questão está, obviamente, mal colocada.
Economia e finanças não tornam um país viável, antes têm o poder
de o tornar inviável. Os elementos que estruturam uma nação estão
colocadas noutro plano, mas também por aqui não estamos bem
servidos. Elenco de seguida algumas das nossas verdadeiras carências
estruturais.
Em
Portugal não existe um único grande escritor vivo.
Isto quer dizer que não existe ninguém a transfigurar a realidade
em símbolos verbais eficientes, pelo que a sociedade deixa de ter
instrumentos para reflectir sobre si mesma. Em fraca compensação, a
linguagem é enxertada de todo o tipo de gírias adaptadas de
disciplinas técnicas ou de outras línguas, que usamos para
descrever a nossa realidade por analogia, sem perceber que podemos ir
parar bem longe do nosso verdadeiro contexto e estarmos assim a
entrar numa ilusão completa. Note-se que ainda há muita gente a
escrever em bom português, mas sem grande literatura, é apenas uma
questão de tempo para toda a gente estar a escrever mal.
Portugal
não tem um único grande intelectual.
Existem bons académicos, cujos trabalhos não devem ser desprezados,
mas nenhum deles dá mostras de possuir qualquer sabedoria fora das
suas áreas de especialidade. Isto quer dizer que não há ninguém
capacitado para reflectir sobre os grandes problemas, que não se
podem confinar a uma única área de estudo, . Paradigmático sobre
esta incapacidade foi a entrevista que José Gil deu à RTP. Para
dizer algo acertado, limita-se a repetir a argumentação de qualquer
taxista. Quando desafiado a dar uma ideia para Portugal, demite-se
dessa responsabilidade e diz que isso é função dos políticos.
Nada mais errado: os políticos são figuras essencialmente práticas,
que se especializam em relações humanas tendo em vista o acesso aos
postos de poder, pelo que não é o tipo de pessoa a que naturalmente
se pedem reflexões aprofundadas. Essas reflexões são da
responsabilidade dos filósofos em primeiro lugar, que não têm
sequer de as tornar produto acessível ao grande público, ficando
isso a cargo dos polemistas e dos intelectuais de segundo plano, que,
por sua vez, poderão alimentar jornalistas, ficcionistas, políticos,
etc.
Não
havendo grandes intelectuais, é natural que também não existam
grandes comunicadores a servir de veículo de transmissão entre as
grandes ideias e o público geral. Neste
momento, Portugal tem apenas um grande comunicador: o professor
Marcelo Rebelo de Sousa. Contudo, a sua oratória é tão perfeita
quanto a sua falta de sinceridade.
Todos os problemas são abordados por ele segundo uma bitola estética
ou mediante uma ética de conveniência. É o tipo de pessoa
habituada a estar rodeada por medíocres e por isso não percebe que
podem existir pessoas com um horizonte de consciência infinitamente
superior ao seu. Todos os outros comentadores são figuras vendidas a
interesses particulares ou ideológicos, ou figuras vendidas à sua
própria alienação e preguiça, como é o caso de Miguel Sousa
Tavares. A única excepção é Medina Carreira, cujo mérito é
fazer umas contas de merceeiro ao Estado do país e alertar que, a
continuar assim, a “mercearia” será obrigada a fechar.
Em
Portugal não há nenhuma figura espiritual de grande nível,
com a possível excepção do bispo do Porto, D. Manuel Clemente.
Povo e elites privados de verdadeira vida religiosa tendem a
absolutizar o imediato e a desconsiderar passado e futuro. No limite,
caem numa vida animalesca, puramente baseada em necessidades
fisiológicas, e aqueles cuja angústia de existir não se conforma
com isto são facilmente presas de ideologias totalitárias.
Não
existe qualquer criação cultural de primeiro plano em Portugal.
Simbólico deste aspecto é o caso do cinema, em que Manoel de
Oliveira foi o primeiro grande vulto nacional e agora, com 103 anos,
continua a ser o maior expoente. Boa parte da classe artística acha
que tem um direito divino a ser subsidiada. Certamente que há
produção cultural séria e competente, mas nada que vá deixar
marca para futuro.
Quando
nos chocamos com o tipo de música que o povo consome, ou com os
programas execráveis de televisão a que assiste, esquecemos que
estas coisas têm origem e/ou são promovidas por gente que não é
do povo mas está colocada próximo das elites e segue muitas das
ideias que estas discutem em círculos restritos. As discussões
públicas, que apenas seguem linhas simplistas – normalmente
segundo pares de opostos, como mercado versus planeamento estatal –
não permitem ir às razões profundas . No mundo moderno, há um
abismo entre a cultura superior e a maioria da população. As elites
têm uma cultura para consumo interno mas criam também uma cultura
para estupidificação das massas. O quadro é complexo e não é
possível descrevê-lo em poucas linhas.
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