Os imperadores da
antiguidade serviam-se, com frequência, de uma guarda pessoal de eunucos. Não
deriva isto de alguma perversão especial ou apenas da tentativa de assegurar
que as mulheres da corte estivessem a salvo de investidas sexuais. O eunuco era
dócil sem perder a sua força, mas mais importante que isso, ele não era apegado
a uma família mas apenas ao seu mestre. Nas modernas sociedades a castração
física é coisa considerada repugnante, contudo, as qualidades dos eunucos
continuam a ser bastante apreciadas.
Com o surgimento dos
meios de comunicação de massas foi possível criar figuras como o “duce”, o “führer”,
“o pai dos povos”, que criavam um sucedâneo dos eunucos usando tanto o
encantamento como a repressão. E havia ainda os eunucos de elite, as modernas
guardas pretorianas dos grandes ditadores, compostas por aqueles que nasceram
com uma compulsão irresistível para seguir o chefe e executar os seus desejos
mais mórbidos.
A vitória das
democracias sobre algumas ditaduras ditou que se considerassem aberrantes
práticas como as do culto da personalidade ou a existência de guardas de elite
fortemente ideológicas. A democracia admite apenas o cinzento, o morno, chefes
sem carisma, mas é uma ilusão achar que a fome de poder desapareceu. Os
poderosos já não sobem aos palanques e tentam encantar as massas pela sua
palavra, antes escondem-se atrás de políticos amorfos e sem carisma. Então, o
culto já não pode ser o da personalidade mas o do próprio sistema, dos cargos
de soberania, do Estado que não é nação mas uma espécie de forma platónica. O
próprio desprezo a que os políticos são votados serve este propósito, porque realça,
por contraste, a perfeição do sistema onde cada um projecta os seus desejos. E os
cidadãos da democracia aceitam isto porque já foram todos transformados em
eunucos pelo individualismo liberal, pelo Estado social e por toda a engenharia
da sociedade atomizada.
Mas os “democratas” não controlam o poder apenas mediante
o controlo da populaça de eunucos – que não faz distinção de classe social –, tendo
também as suas guardas pretorianas que assustam os pequenos eunucos, tornando
assim ainda mais premente a necessidade destes de segurança e de protecção do
sistema. Estranhamente, as modernas guardas pretorianas de eunucos parecem não
ter ligação com o poder: fazem parte das claques de futebol, integram
movimentos de ruptura, e são mesmo os jovens delinquentes sem causa. Ao
fragmentarem a sociedade, mas ao mesmo tempo não tendo uma coesão e um projecto
de poder concorrente, eles são os melhores protectores de um sistema que vive
da fraqueza dos indivíduos.
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