18. Fim
do sistema parlamentar e extinção de todos os partidos – Os sistemas
parlamentares estão em crise em todo o mundo e em Portugal nem sequer podemos
apontar um único período em que algum parlamento eleito tenha tido algum brilho.
É um eufemismo dizer que a democracia dos partidos é representativa, porque os
partidos apenas se representam a si mesmos e aos seus interesses, que não têm
que ser exclusivamente materiais. Uma democracia realmente representativa é
aquela em que os representantes não só estão mais próximos das pessoas mas
também, ao invés de as representarem em abstracto, fazem a sua defesa nas diversas formas de participação social que elas têm (contribuinte, profissão, classe social,
família, etc.). É uma ilusão achar que os partidos estão em crise e, por isso,
irão se dissolver por si mesmos, porque muito antes disso já eles terão
destruído o país. Não se trata de desenhar um novo modelo de Estado a régua e
esquadro mas reconhecer a estrutura da própria sociedade e fazê-la reflectir os
vários grupos em disputa e as necessidades de representação realmente
existentes e a que níveis devem estar colocadas.
A partir destes princípios pode ser desenvolvido
um enorme volume de trabalho teórico e prático, partindo do princípio que a
lógica dos partidos seja abolida. Para participar na polis de hoje, qualquer pessoa tem, em primeiro lugar, que se
filiar num partido, o que significa, desde logo, partilhar um número mínimo de
crenças e práticas, implicando isto também certos deveres de fidelidade, caso
contrário o partido não permitirá que o indivíduo suba internamente até chegar
a ser um dos elegíveis para cargos internos e externos. Isto quer dizer que o
sistema atrai, desde logo, pessoas com mentalidade sectária ou cínicos que não
se importam de vender a alma se isso lhes der algum tipo de vantagem. Então, a
própria existência de partidos tem uma dupla limitação: por um lado, tende a
escolher pessoas de personalidade pouco respeitável; de outra parte, aqueles
que são eleitos pelos partidos, quando em funções, têm sempre que responder
àquilo que a estratégia global dita, o que frequentemente entra em contradição
com os deveres que a sua função obrigaria.
Os partidos não têm que ser necessariamente
antros de podridão, mas a experiência mostra que aqueles que são mais sérios
tendem a ter uma expressão eleitoral residual, e que os mais bem-sucedidos são
os que não olham a meios para atingir os fins. Esta lógica degenerada do
sucesso tem a ver com a psicologia daquilo que é um partido: este é assumidamente
uma facção, uma hipérbole do discurso retórico. Sempre haverão estas facções,
mas quando elas se tornam em instituições organizadas, vão cristalizar posições
que deviam ser efémeras e de âmbito limitado e tentar ditá-las para toda a
sociedade e sem admitir possibilidade de retorno. Isto é intrinsecamente
absurdo, e para o partido sobreviver só resta apresentar os outros partidos com
as imagens mais odiosas e repulsivas. O parlamento torna-se, então, num teatro
de ódios, que em grande parte é um fingimento, dado que os vários actores estão
bem confortáveis e partilham das mesmas opiniões de fundo, mas a sociedade reage
polarizando-se entre falsas alternativas e apenas entende uma retórica de
ruptura e de confronto, que validam a actuação política apesar do desprezo pelo
conteúdo. Neste contexto vão ser eleitos aqueles que melhor encarnam esse vazio
substancial mas que tenham uma pose condizente com encenação do conflito, e por
isso se explica que sejam eleitas tantas figuras patéticas para os mais altos
postos, que exibem comportamentos que oscilam entre a vitimização infantil, a
acusação injusta aos adversários (ou justa mas de erros que o próprio cultiva)
e a pose messiânica.
Claro que o discurso político não pode ter um
conteúdo puramente opositivo, ou não haveria qualquer proposta positiva, mas
quando se fica por aí todos vão achar que não tem chama, porque falta aquela
pimenta do confronto; falta a divisão entre nós, os bons, e eles, os pérfidos.
Toda a gente critica a baixaria da política mas todos esperam ansiosamente por
ela, que as farpas sejam lançadas e que espumem de raiva os inimigos, quase
sempre imaginários. Mas é tudo uma farsa porque não há verdadeiro confronto. Muitos
comentam, com desilusão, que os políticos atacam-se com violência no parlamento
ou frente às câmaras de televisão, mas nos bastidores são todos amigos. Isto é
como querer que os actores que representam Otelo e Iago sejam igualmente
inimigos na vida real.
Temos ainda de entender o parlamento em
sentido lato, já que grande parte da actividade política foi transferida para
jornais, rádios e, sobretudo, para a televisão. É neste meio que jogam os partidos,
é onde apostam as suas cartas e é também para isto que fazem as suas encenações
no próprio parlamento, na esperança de que as televisões sejam benévolas ao
exibir uns segundos dos seus momentos mais acutilantes. Então, o sistema
partidário é uma enorme encenação mediática, onde se exibe um confronto quase
sempre entre falsas alternativas. Contudo, isto cria uma polarização na
sociedade, que não é um saudável confronto entre ideias realmente distintas mas
um falso antagonismo que faz os homens desconfiarem uns dos outros. Chega a ser
patético que num país em que só existem, com peso eleitoral e social, partidos
socialistas, a ideia geral é a da existência de profundas clivagens ideológicas
e de posições irreconciliáveis. Da mesma forma, na União Soviética e na China maoista
bastavam desvios insignificantes de opinião – ou meramente inventados – para
desencadear infindas sessões de torturas e matanças desenfreadas. As coisas
tomam este rumo, com mais ou menos violência, sempre que se tenta implementar
um sistema intrinsecamente absurdo, já que ele imediatamente entra em colapso e
é necessário encontrar culpados, e então começa a loucura de tentar encontrar
perigosos desvios dentro de uma homogeneidade quase absoluta.
Pode parecer-nos estranho hoje viver numa sociedade sem
partidos e sem que isso signifique estarmos em ditaduras. Estamos habituados a
ter os partidos como intérpretes da vida política, cujo âmbito se alarga de dia
a dia, e não percebemos que isso não é uma situação normal da História humana e
que é uma grande limitação da própria liberdade, bastando pensar como as
dimensões significativas de participação social ficam enormemente reduzidas ao
nível do apoio de alguma facção, e a isso de denomina ironicamente como a
conquista da cidadania. É necessário entender que não é possível querer que os políticos
façam algo pelo país se os colocamos num sistema que tem, por princípio, a
própria divisão do país em facções de costas voltadas. Salienta-se a falta de
um elemento unificador, que não existe para abolir os conflitos internos mas
para garantir que eles não destruam a sociedade.
1 comentário:
TUDO CERTISSIMO.
ACRESCENTAR QUE OS PARTIDOS TRABALHAM PARA PODER E DINHEIRO, PORTANTO PARA QUEM PAGA. LOGO SAO ENTIDADES TRAIDORAS AOS INTERESSES DA NAÇAO E O SEU POVO
Abraço
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