Entro agora em dois pontos que alguns
defendem se tratar de meros assuntos técnicos, a serem pensados unicamente por
alguns tecnocratas, cabendo aos políticos o papel de vender algumas balelas ao
povo, de modo a este engolir decisões que, supostamente, estão acima da sua
possibilidade de compreensão. Efectivamente, a forma como socialistas e
tecnocratas discutem questões como a dimensão do Estado ou o valor dos défices
são incompreensíveis para o povo, e são também incompreensíveis para os
próprios actores da discussão, dado que são abstracções que denotam asco pela
realidade e uma voragem louca de a substituir por alguma criação da mente
humana. O povo acha que estes “sábios” debatem alguma coisa que existe mesmo,
quando eles apenas estão num confronto de força baseado nas suas fés
metastáticas. Proponho olhar para este dois assuntos tal como eles se
apresentam e, só depois, pensar como podemos melhorar um pouco o estado de
coisas.
9.
Redução progressiva do número de funcionários públicos – Não é possível
dizer com precisão qual deve ser o número ideal de funcionários públicos, mesmo
entrando em discussões viciadas do género: “qual é o modelo de Estado que
queremos?”. Se conseguirmos uma distância respeitável da discussão Público vs. Privado,
tal como ela é vista hoje, percebemos que a questão não é assim tão complicada.
Por um lado, é óbvio que quando um Estado chega as dimensões do actual Estado
português, em que cerca de metade da população depende de prestações sociais,
directa ou indirectamente, chega-se a uma situação insustentável em termos
económicos, morais e anímicos: não existe gente suficiente a produzir riqueza;
os poucos que a produzem são servos dos que são sustentados pelo Estado; e
globalmente toda a gente se torna apática porque vive numa situação absurda, em
que uns estão presos à sua escravidão e outros à sua modorra senhorial.
É também um erro achar que a solução é o Estado
mínimo, que no limite nem existe ou está apenas limitado às suas funções
nucleares, o que esquece que foi a partir destas que mais se destruiu a
sociedade. O verdadeiro problema é só um: excesso de “sábios” a discutir o que
deve ser o Estado, e embora possam haver visões opostas, todos estão de acordo
que é preciso fazer algo diferente do passado. A pretensão de não repetir o
passado é patética, porque pressupõe que a repetição é fácil e o passado era
uma coisa amorfa, estática, absurda, esquecendo que o “progresso” iria, pela
mesma lógica, achar absurdo o futuro que agora temos por radiante. O corte com
o passado é também o corte com uma série de coisas fundamentais, como o bom
senso, a beleza, a honestidade, a nobreza de sentimentos e assim por diante.
Por outro lado, a aposta no futuro é um patrocínio a embusteiros, a aventureiros
sem rumo e sem pátria, a irresponsáveis, enfim, a todos aqueles que não têm uma
morada interior sólida.
Nas sociedades com existência histórica é
natural existir uma tensão entre “progressismo” e “conservadorismo”, aqui
entendidos da forma mais lata possível e sem entrar nos seus equivalentes em
teoria política. Esta tensão implica um certo nível de angústia, não um
optimismo “simplista” do camponês do Império egípcio, nem o optimismo lunático
do revolucionário. Portanto, necessita de homens de um calibre superior, pelo menos
alguns que regulem a sociedade pelo seu exemplo ainda que discreto. Contudo, a
nossa sociedade já tem uma existência (como que) “meta-histórica”, tentando
fugir à angústia existencial considerando que já vive num período em que o sentido
da História se revelou por inteiro, o que é análogo ao indivíduo que está a ser
internado com um surto psicótico mas acredita ter atingido a iluminação.
Em suma, é preciso cortar com a ilusão
progressista, e viver não num eterno retorno mas numa existência realmente
histórica, onde podemos aferir com consciência os nossos actos. Qualquer ser
humano mentalmente saudável não tem um ódio visceral ao Estado nem, por outro
lado, achará que “Estado” é o seu sobrenome. Dessa forma, o número de
funcionários que o Estado deve ter será ditado pelo bom senso, onde se torna
patente para todos a indignidade de um excesso de funcionários públicos que não
façam trabalho útil assim como a necessidade, que varia com o tempo, de ter um
conjunto de organismos centrais que garantam a coesão nacional a nível moral e
material. Neste momento, o bom senso é visto como uma relíquia do passado a
enterrar o mais rápido possível. Então, posto em termos mais simples,
precisamos de muita vergonha na cara e logo deixará de fazer sentido uma
discussão sobre a dimensão do Estado. Alterações fundamentais a uma “dimensão
de equilíbrio” do Estado só deverão justificar-se face a um projecto unificador
da nação e não ser motivadas por uma umbigologia estatista.
10.
Proibição de défices superiores a 0% do PIB – Quase todos os comentários anteriores aplicam-se a este ponto. Sabemos
que protestarão contra esta medida todos aqueles que se habituaram a viver à
custa do erário público, assim como os políticos que gostam de comprar votos ao
povo. Temos ainda alguns riscos adicionais associados aos défices do Estado,
assim como ao défice da balança de pagamentos. O endividamento não é apenas um
hipotecar do futuro país, é sobretudo uma transferência de soberania para o
exterior e é escandaloso como tal nunca é referido (a não ser pelos comunistas,
cujo enquadramento da questão, apesar de totalmente lunático, pode por vezes
ditar ideias acertadas, tal como o relógio parado também consegue acertar as
horas duas vezes por dia). Mesmo com a troika em Portugal, parece que ainda
ninguém percebeu que endividar o país é coloca-lo na mão de entidades
internacionais, quando há vários anos era evidente que isto iria acontecer, e
são aqueles cujos protestos mais se fazem ouvir contra a troika que mais se
empenharam para criar o endividamento que a trouxe até nós. Na verdade, até
temos alguma sorte de a troika nos dizer apenas para marcarmos passo, porque se
o timing fosse o da implementação oficial de um super Estado europeu, então
simplesmente tinham ordenado o fim de Portugal como nação.
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