O programa ideal de governação é na verdade
uma decepção para todos aqueles que, por falta de imaginação, necessitem de uma
inspiração para elaborar um projecto de conquista de poder dentro dos moldes de
funcionamento do actual sistema. Este programa foi aqui idealizado não como o
fazem os revolucionários, que se dão ao luxo de poder sonhar com todo o tipo de
perfeições inalcançáveis, mas em função das potencialidades reais dos
portugueses, estimadas não a partir de desejos pessoais mas das realizações
históricas, assim como do estado presente – moral, anímico, intelectual – do
país e da conjectura onde se insere. É também recriando esse contexto que o
programa deve ser lido e descompactado.
Penso que não preciso perder explicando que o
programa não tem uma estruturação sectorial mas segue uma organização mais
pedagógica, começando por medidas específicas e de limpeza ética, subindo no
nível de abstracção até chegar a medidas mais simbólicas e estruturantes.
Naturalmente que muitas outras medidas podiam ser acrescentadas ou tomar o
lugar de algumas das que foram propostas. Há também outras medidas circunstanciais
que foram omitidas dado se tratarem mais de questões elementares de higiene
intelectual e moral, como a proibição do aborto e o aborto do acordo ortográfico.
À primeira vista, o programa pode ser dito “ideal”
porque propõe um conjunto demasiado grande de medidas difíceis de aplicar. Numa
situação de normalidade democrática – o que hoje em dia estou inclinado a achar
que se trata de algo intrinsecamente absurdo – um programa de governação devia
ser muito diferente, tendo apenas umas poucas medidas de fundo e tentando
melhorar as restantes áreas sem fazer alterações significativas. Na situação
actual, contudo, qualquer medida de fundo será imediatamente engolida pelo
sistema e mesmo as tímidas tentativas de melhorar – ou até de manter o nível
dos vários sectores – encontram múltiplos empecilhos. Isto quer dizer não
apenas que o sistema não tem concerto mas que ele é auto-destrutivo,
considerando eu que estamos já a viver em plena evidência disso. Então, resta apenas
substituir este sistema por outro totalmente diverso – isto se ainda quisermos
ser senhores do nosso destino e não estar sob domínio completo de alguma força
externa que tome o nosso território –, e daí a necessidade de um conjunto
alargado de medidas de fundo assim como de medidas emblemáticas que não
permitam a proliferação de ervas daninhas.
Esta substituição total do sistema pode, em
teoria, ser feita de duas formas, sendo uma rápida e assumida (no momento de
colocar em prática, entenda-se) e outra lenta e imperceptível. A forma rápida
necessita de um exército real (nas suas várias vertentes, incluindo a intelectual
e espiritual) já reunido e com fidelidade à hierarquia. É muito difícil saber
se ainda existe massa crítica em Portugal para fazer tal coisa, mas mesmo as
pessoas que são válidas precisam de ser sensibilizadas para isso, e daí este
meu modesto esforço. A estratégia lenta e imperceptível é um acto de guerra
cultural que emula aquilo que os revolucionários fizeram com sucesso, obtendo
uma hegemonia quase completa em todos os lugares com alguma relevância política
ou social. É algo que só terá efeito daqui a 30 ou 40 anos e começa, antes de
tudo, por um assumir da posição inicial de derrota em toda a linha. A conquista
de espaços é feita palmo a palmo, silenciosamente, e quando se adquire poder
suficiente impede-se a entrada dos adversários, dado que estes também utilizam
o jogo democrático apenas como fachada para eliminar os seus adversários. Dada
a lentidão da estratégia, há o risco de não haver tempo de impedir o fim de
Portugal.
Pode-se, é claro, tentar combinar de alguma
forma as duas estratégias, mas a articulação é problemática, embora deva ser
pensada. Há ainda que contar com a alteração de factores que possa alterar o
quadro geral. Em termos puramente internos, penso que não há que contar com «consequências
inevitáveis» da continuada degradação do sistema político: hoje em dia temos em
altas funções psicopatas, pedófilos, partidários do genocídio e assim por
diante. Nada disto faz com que o sistema quebre por dentro – num certo sentido
até se fortalece porque à partida exclui pessoas integras que o podiam colocar
em causa –, nem que as pessoas se insurjam, já que estas sem uma voz que as
unifique são obrigadas, devido a um mecanismo de protecção psicológica bem
conhecido, a tomar o monstruoso como modelo de normalidade. Resta apenas,
creio, que nos sejam enviados homens providenciais, mas para será que a
Providência ainda nos acha dignos de recebermos tal dádiva?
Em termos externos, as perspectivas em cima da mesa
também não são nada animadoras. Em termos europeus, há o risco do fim do Euro e
do fim da União Europeia, coisas em si positivas mas devastadoras para Portugal
se não começarmos desde já a pensar fora deste paradigma. Caso a União Europeia
se mantenha, o nosso declínio continuado ditará o nosso fim como entidade
soberana, pelo que seremos integrados no velho continente como uma mera
província sem alma. A provável implosão europeia dará uma abertura para a
reconquista muçulmana, cujas facções mais radicais estão neste momento a ser
fortalecidas pelas elites ocidentais. Mas o perigo de maior monta vem do bloco
russo-chinês cujo conjunto de acções (espionagem política e industrial,
política de armamento maciço, guerra económica/financeira/cibernética, promoção
da destabilização política no médio oriente, Magrebe, Irão, Coreias, etc.),
apesar de ignorados pelos meios de comunicação de massas, revela apenas um
processo já em curso de conquista global, com a agravante de tudo isto fazer
parte explícita da ideologia eurasiana. Em relação a qualquer uma das ameaças,
as melhores hipóteses de Portugal ditam sempre que nos destaquemos como unidade
política autónoma, naturalmente com o máximo de auto-suficiência e com boas
ligações estratégicas, nomeadamente aos países lusófonos. Estando os EUA
entregues na mão de traidores, a longo prazo tenho as maiores reservas em
considerar algum tipo de aliança com esta parte do Atlântico, que facilmente
nos entregaria na mão do urso ou nas garras do dragão, mas tudo vai depender de
como e se os americanos conseguirem entender a distopia onde se meteram e de
como devem se livrar dos traidores.
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