8.
Restruturação completa da Concertação Social – Na verdade, trata-se antes de a
substituir por algo diferente. Há quem defenda o retorno do modelo corporativo,
já que, por incrível que pareça, é mais representativo das forças sociais do
que a Concertação Social “democrática”, mas este mesmo já enferma de um
abstracionismo que é o princípio de todos os males, por assim dizer. Antes de
entrar numa reflexão sobre o que seria uma alternativa viável, examino antes o
que é, de facto, a Concertação Social em Portugal.
Formalmente, a Concertação Social reúne o
Governo, as Confederações Patronais e as Confederações Sindicais para
dialogarem e chegarem a acordo sobre políticas e legislação de âmbito
socioeconómico, nomeadamente a respeito de matérias laborais. A ideia até pode
parecer boa, uma extensão da democracia que impede os governos de se isolarem
nas torres de marfim e tenham, assim, que aceitar contributos de representantes
da sociedade. Contudo, podemos logo perguntar, ainda em termos teóricos, o
porquê dos «parceiros» ouvidos serem apenas “patrões” e “trabalhadores”. Esta
divisão, existindo sem dúvida, é, no entanto, apenas uma das possíveis, e
apenas nos parece natural porque a ouvimos desde sempre e nem paramos para
pensar até que ponto é redutora. Os homens desempenham muitos papéis e não se
limitam aos seus papéis laborais, ao ponto de quando alguém se dedica demais ao
trabalho começar a precisar de terapia.
A Concertação Social não passa de uma
encenação da luta de classes marxista. Podemos alegar que Marx tinha razão em
enfatizar este conflito, dado que ele existe de alguma forma, mas aqui está
mitigado dado que a luta passou a ser um diálogo, além de que não faz sentido
chamar representantes de outros papéis sociais porque o que está em causa são
decisões que afectam unicamente aquelas partes da vida a que esses papéis dizem
respeito. Contudo, isto não é assim porque as decisões são aplicadas no mundo
real, onde não se pode fazer uma separação dos aspectos laborais de tudo o
resto. Um excelente acordo entre patrões e trabalhadores, se tal fosse
possível, pode ser desastroso para famílias, para a coesão nacional, para o
conhecimento, para a saúde pública, e assim por diante.
Idealmente o governo representaria todos os
outros interesses que patronato e sindicatos não pretendem dar conta. Não
existe apenas a questão deste ideal não ter possibilidades de ser cumprido, ou
sequer aproximado: o problema é ser um «ideal» nascido sob uma contradição.
Quando o governo aceita como parceiros sociais legítimos patronato e sindicatos
já está a aceitar uma visão centrada no conflito entre ambos. Qual o factor de
equilíbrio que o governo pode introduzir no diálogo tripartido? As pretensões
dos sindicatos e do patronato podem ser expostas em toda a sua força e
plenitude, ao passo que todas as outras que o governo supostamente representa
chegam num aglomerado difuso, sem uma potência própria.
Se tudo isto em teoria já parece desajustado,
na prática tudo piora. Em primeiro lugar, o governo apenas representa os vários
interesses da sociedade na Concertação Social de forma muito lateral, se é que sequer
atende a eles. Isto deriva da própria natureza do poder democrático moderno. O
papel moderador ou de árbitro que o governo supostamente desempenha entre
patronato e sindicatos é falso na base porque o governo não é uma entidade
abstracta independente mas um corpo real em grande parte já suportado por estas
entidades, o que também explica o facto de ele os aceitar como parceiros
legítimos. Claro que o governo toma em consideração outras preocupações, mas
estas em nada se assemelham ao bem comum, dizendo respeito às suas clientelas e
à satisfação de apoiantes importantes, nacionais ou internacionais.
Em relação ao patronato, este não representa
os verdadeiros empresários mas uma oligarquia instalada desde o tempo do
Marquês de Pombal e que, apesar de usar para fora uma retórica vagamente
liberal, não passa de um grupo de socialistas convictos porque sabem que essa é
a melhor forma de proteger os seus oligopólios. Os sindicatos são ou de
inspiração comunista pura e dura, que apenas usam uma lógica de oposição com
base na crença de que o sistema não tem qualquer redenção possível a não ser
pela sua própria destruição, ou de inspiração social-democrata, no que se
aproximam do patronato. Além do mais, as diferenças aparentes entre sindicatos “soft”
e patronato, já reduzidas por natureza, acabam por se esbater ainda mais na
realidade, e para isso basta notar as relações que ambos têm com lojas
maçónicas.
Então, o que propor em alternativa? Tentar delinear em
abstracto um sistema alterativo foi um dos erros intelectuais que conduziram a
esta situação. Isto não quer dizer que as coisas não devem ser pensadas,
contudo não devem ser planeadas como se o ser humano fosse um mero objecto
inerme que serve apenas para cumprir os desígnios do planeador. A reflexão
sobre estes assuntos deve ser uma clarificação do terreno e um esclarecimento
sobre algumas das consequências mais óbvias de se tomarem umas ou outras
decisões. Obviamente que esta reflexão sai fora do âmbito desta série de posts.
Para o ilustrar, basta pensar que a Concertação Social teria de ser algo que
reunisse as forças representativas da sociedade, contudo, a «representação»
política é um dos temas mais complexos que existe, exigindo uma averiguação dos
modelos de ordem da sociedade, com a agravante de que as principais forças no
terreno serem todas partidárias do colapso da ordem que criou a civilização
ocidental. Em termos práticos mais imediatos, urge desmantelar essas forças, onde
sindicatos e patronato são apenas duas das faces mais visíveis mas não
necessariamente as mais importantes.
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