sexta-feira, 28 de setembro de 2012

O dia em que Portugal morreu (1)

Tal como as árvores, os países podem morrer sem que alguém dê por isso durante muitos anos. Para efeitos de raciocínio, entendo aqui a morte de um país ou de uma nação ­– as precisões ficam para mais tarde – como aquele ponto de não retorno em que não é possível mais indireitar o estado de coisas sem que haja uma refundação nacional, talvez só possível em diáspora. Obviamente que não se trata aqui de fazer algum tipo de previsão científica mas de deambular por um campo simbólico que nos permita vislumbrar as razões mais profundas, sem entrar por uma busca de causas remotas, que nos levaram até aqui.

Portugal morreu no dia 15 de Setembro de 2012, data da manifestação contra a troika e contra o governo, devido ao corte de ordenados que a subida da TSU implicava. Como todas as manifestações, foi organizada pela extrema-esquerda e apoiada de forma natural por toda a comunicação social. A convocação pelo facebook precipitou uma adesão maciça, e todo o país se mobilizou, ricos e pobres, incultos e sábios, socialistas e liberais. A unanimidade contra as últimas medidas do governo, assim como contra o resgate da troika, seria uma coisa positiva se acreditássemos na remota hipótese de todos terem percebido o que se passa: ou seja, todos perceberam os erros cometidos; todos compreenderam a gravidade da situação e o longo caminho que nos espera; todos sabem quais os caminhos de saída e as formas de os trilhar, incluindo a maneira de superar os obstáculos e os imprevistos.

Mas se nos recusarmos a crer nesta espécie de omnisciência colectiva, somos forçados a encarar esta unanimidade de forma mais sombria, e a desconfiar se não estamos em presença de um tipo de estupidez colectiva de consequências irreversíveis. Não me refiro propriamente à estupidez dos manifestantes, muitos deles reagindo de forma compreensível a mais uma espoliação, mas à estupidez da generalidade dos comentadores, que tanto mais falaram quanto menos raciocinaram. Passados alguns dias, disse para mim mesmo que esta tinha sido a mais socialistas das manifestações que alguma vez existiram em Portugal. Mas nem tudo estaria perdido se assim fosse, dado que seguir de forma consciente um caminho, ainda que errado, permitiria mais tarde corrigir a trajectória, precisamente pelos escrúpulos que à consciência se ligam. Mas depois percebi que era muito mais grave, que as pessoas tanto querem – seguindo a desorientação reinante nas classes pensantes – um Estado omnipresente como um Estado mínimo, querem ser totalmente livres desde que severamente agrilhoados, querem voltar para uma Idade do Ouro ao mesmo tempo que abominam tais fantasias, querem o fim da crise assim como a sua eternização... A lista podia prosseguir indefinidamente. Não se tratam de desejos contraditórios, tão característicos do ser humano. Trata-se de uma marcha deliberada para o abismo, surgida da coragem emprestada pelo colectivo.

Mais tarde tratarei de concretizar estas imagens, que por ora parecerão apenas toscas pinceladas poéticas a retratar um certo espanto.

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