quarta-feira, 17 de abril de 2013

Relatos do Inferno (2)


O DESEJO DE APOCALIPSE

Aqueles que nasceram e foram criados no último quartel do século XX, se tiverem alguma consciência histórica, terão uma sensação ambígua em relação ao seu próprio destino. Depois de duas guerras mundiais, depois do auge da guerra fria, depois do gulag e dos campos de concentração nazi, a História parecia reservar-nos uma agradável existência pacata mas ao mesmo tempo negava-nos o palco em que os mais terríveis eventos revelavam as possibilidades extremas do ser humano. O Fim da História era proclamado como uma vitória, mas apenas entusiasmava os mais tolos e hedonistas, já que condenava o ser humano à sua própria imanência e colocava as sociedades ocidentais – havendo a crença que todas as outras inevitavelmente seguiriam os seus passos – no rumo de um lento ocaso motivado pela apatia. Neste contexto, não podemos estranhar o entusiasmo provocado pelo terrorismo inaugurado pelos eventos de 11 de Setembro de 2001. Foi a natural alegria dos deserdados da farsa da queda do comunismo, que agora se sentiam vingados, assim como de muitos meninos mimados pela democracia liberal procurando novos entusiasmos no radicalismo, e foi ainda o alento de alguns patriotas, que finalmente viam um novo inimigo contra o qual podiam dar a vida lutando contra. Contudo, a luta contra e a favor do terrorismo em democracias mediáticas rapidamente se torna enfadonha e as pessoas deixaram de acreditar que o mundo tinha mudado com o 11 de Setembro, pelo que voltou-se à apatia.

Obama apareceu neste contexto de tremenda necessidade de transcendência nem que fosse pelas mais retorcidas vias. Ao salvador tudo se desculpa e todo o bem se lhe atribui. Contudo, algo de estranho se passa: se os nossos antepassados pudessem ver Obama apenas reconheceriam ali um canastrão de quinta categoria com uma grande aura de vigarista, a quem nunca comprariam um automóvel novo ou em segunda mão. Obama é a personagem mais obscura na História da humanidade, com um passado do qual nada se sabe a não ser que não é aquilo que ele diz ser, mas concedo que os meios de comunicação de massa consigam hoje, funcionando numa rede estreita, criar uma personagem totalmente fictícia. O meu espanto não está naquilo que foi possível ocultar mas naquilo que Obama é diante de toda a gente e ninguém parece ver. Perdeu a humanidade os seus instintos mais básicos e tornou-se incapaz de reconhecer os perigos mais óbvios?

Durante muito tempo achei que era assim, já que vivemos em tempos cada vez mais alienados. Contudo, percebi que a verdade era bem mais terrível e que o problema não era a perda total dos instintos naturais no ser humano. Ora, se Obama fosse realmente um vendedor de automóveis, ele seria um dos piores no mundo, ninguém confiaria nele e nem se chegariam próximo da personagem, não fosse a carteira mudar de bolsos num acto de magia. É precisamente por Obama ser isto que ele se torna o homem ideal para dirigir o país mais poderoso do mundo, porque ele tem a capacidade para destruí-lo. Claro que Obama chegou a presidente apoiado pelos inimigos dos EUA, internos e externos, mas também apoiado por uma vontade popular saturada de apatia, que aposta no cavaleiro negro (escrevi isto e logo pensei que podia ser interpretado de forma racista, mas seria cobardia voltar atrás e optar por uma alternativa politicamente correcta) porque ele revela um tremendo poder oculto. Os americanos, e o resto do mundo ocidental, por extensão, estão como Creso que decidiu atacar os persas porque o oráculo lhe garantiu que essa iniciativa levaria à destruição de um grande império, sem ter percebido que se referia ao seu. Mais propriamente, estamos com a mesma postura que Hitler, que apostava tanto no reich de mil anos como na destruição total.

Sei que esta descrição pode parecer fantasiosa a um nível extremo a um leitor desprevenido, que ainda acredita que a realidade é o conjunto de invencionices dos jornalistas e comentaristas (nem perco tempo com aqueles que têm medo da realidade, já que só lhes resta procurarem as saias da mãe). Mas temos exemplos internos deste mesmo mecanismo. A dada altura da governação de José Sócrates, acumulavam-se as suspeitas sobre as suas qualificações e esquemas de corrupção onde teria entrado. Um inquérito de opinião revelou uma estranha postura dos portugueses, daquilo que se podia inferir: havia fortes suspeitas que ele fosse mesmo corrupto mas isso em nada o impedia de ser primeiro-ministro, isto numa altura em que se falavam em grandes obras públicas, que sabemos que iriam enriquecer uns poucos bolsos. Não se trata aqui daquela complacência que os italianos tinham há umas décadas pelos seus políticos, que podiam ser corruptos mas os italianos podiam continuar enriquecendo e a normalidade continuava. Portugal estava, pelo contrário, numa situação de catástrofe iminente e José Sócrates apenas podia nos levar para o abismo, mas fê-lo com verve e os portugueses seguiram-no, como se o apocalipse fosse o castigo por terem deixado se iludir.

No auge do poder socrático, os meios de Estado foram usados para perseguir indivíduos isolados que se atreveram a contestar o primeiro-ministro onde doía, e este não se coibia de enviar mensagens públicas onde deixava entender claramente que ia usar todos os meios para esmagar quem se lhe colocasse no caminho. Um método do género usa ainda o KGB, seja qual for o nome que tem agora, quando assassina ex-agentes usando plutónio, material que não se compra na farmácia da esquina, dando assim uma mensagem de aviso clara, sabendo que os sonsos farão de conta que não viram nada. Então, quando o abuso de poder socrático já não dava para desmentir, surgiram alguns génios a explicar a lógica da situação: a democracia é mesmo assim, um partido é eleito e pode fazer tudo o que quiser, e se depois as pessoas não gostarem só têm que votar noutro partido nas próximas eleições. Não vi esta pretensão combatida de forma adequada em lado algum, e veremos que ela não é uma simples atoarda mas corresponde a uma intenção prática. Nem ditaduras e regimes totalitários defendem algo assim, apesar de o praticarem, mas fazem-no à luz de bodes expiatórios.

Esta pretensão a um poder total por parte dos titulares dos governos democráticos, ao invés de ser um dislate de alguns cretinos socráticos, é algo que nos ajuda a compreender a actuação do governo Obama em algumas áreas, que pode ser ocultada pelos jornais mas é acessível a quem consulte fontes primárias. Por um lado, Obama aumentou imenso a dívida pública, o que apressa a substituição do dólar como moeda de troca internacional, o que provocará o colapso da economia americana. Internamente, prepara-se uma guerra civil: criação de campos de concentração, desarmamento dos indivíduos e compra maciça pelo governo de munições proibidas pela Convenção de Genebra, logo, para serem usadas contra o próprio povo. O slogan de campanha de Obama, “Yes, we can” mostra-se, então, como uma profecia demoníaca, que oculta o seu sentido até ser tarde demais. Enquanto milhões de idiotas foram iludidos, dentro e fora dos EUA, para entrarem numa espécie de corrente positiva, onde podiam somar todas as ilusões, o slogan apenas dizia que “eles” poderiam fazer tudo (não há na frase um genitivo restritivo), incluindo eleger um presidente inelegível e criar uma ditadura à frente de todos sem ninguém perceber.     

Não teremos que lamentar viver numa época de apatia porque logo ela terminará. Não nos espera algo como as guerras mundiais, que depois de passadas permitiram que os países continuassem existindo mais ou menos da mesma forma. Agora, o que está em causa é a dominação do mundo, para o qual é imprescindível a destruição do ocidente tal como o conhecemos.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Relatos do Inferno (1)


O ÓDIO AO PRÓXIMO

Neste fim-de-semana um homem, sem mostrar a cara, relatou num jornal televisivo a sua infeliz ocorrência na linha de Cascais. No comboio onde seguia, 4 jovens circulavam alarvemente pelas carruagens e, quando confrontados pelo revisor, disseram que não tinham bilhete, reagindo este com uma prudente ausência repentina. O nosso homem tornou-se então um alvo para os marginais e quando saiu na estação de S. Pedro foi assaltado e atirado para a linha.

Jovens criminosos como estes vivem uma situação especialmente benéfica para a suas necessidades de afirmação de poder pessoal. Num acto de magia, alguns tomam-nos como os homens bons de Rousseau, em que o mal que cometem não está neles mas em nós, que somos a sociedade corruptora. Parafraseando Brecht, quando mais criminosos são mais merecem ser inocentados. Isto materializa-se de muitas formas, na “glamourização” da violência e do crime pela indústria de ficção, na cultura musical rap e afins, na ocultação destas notícias pelos jornalistas. Há também toda uma série de grupos de pressão que inocentam estes criminosos na base da chantagem, actuando na base da defesa de causas que ninguém quer ser inimigo: anti-racismo, anti-pobreza, anti-descriminação, etc. Junta-se a isto a falta de meios da sociedade para combater as agressões, seja devido a leis e juízes facilitistas, polícias apenas armados contra cidadãos cumpridores que, por sua vez, têm que estar desarmados em todas as situações.

Toda esta situação foi montada propositadamente não propriamente para promover o crime mas, através dele, gerar um caos social e um enfraquecimento da alma humana. Nem os cretinos podem negar isto, apenas o fazem os agentes da desordem, sejam revolucionários comprometidos ou idiotas úteis. Contudo, estes agentes não se limitam a criar um clima de promoção do crime e de desresponsabilização dos criminosos. Vários deles actuam directamente sobre os criminosos, instruindo-os sobre como agir de forma destrutiva e com risco mínimo. Naturalmente que em Portugal ninguém quer se aventurar a estudar esta situação para não criar inimigos junto a grupos com algum poder (tanto de extrema-esquerda como financiados por meta-capitalistas), mas podemos inferir bastante coisas listando o conjunto de acções “inocentes” que activistas fazem em zonas problemáticas, para além dos relatos em primeira mão que podemos ter acesso. No Brasil está bastante bem documentado como os activistas de esquerda ensinaram os criminosos comuns a organizar o seu crime, e algo do género tem que se fazer por cá. Para ter uma ideia, ver:


A estratégia comunista para o continente sul-americano apostou na conquista do poder através do crime, das drogas e da teologia da libertação. Na américa do norte a aposta entrou pela via da imaginação, em especial o cinema, e também através dos intelectuais, para além de alguns sindicatos. Na Europa a aposta foi variada: sindicatos, financiamento de partidos comunistas e sociais-democratas para operar a “estratégia das tesouras”, espionagem, grupos terroristas, etc. Tudo isto está a dar os seus frutos agora na máxima intensidade, enquanto tudo o que é cretino considera que o marxismo foi enterrado definitivamente pela História, apenas porque o nome já não precisa mais ser usado.

Contudo, o relato que motivou este post não está terminado e ele ajuda a entender os efeitos sociais desta guerra cultural que actua pela via da promoção do crime. Tinha dito anteriormente que o verdadeiro objectivo não era a expansão do crime em si mas a criação de uma situação de caos propícia à tomada do poder. Se o objectivo da tomada de poder pelos revolucionários foi totalmente alcançado, este não se deu propriamente pela via do caos mas pela criação de um novo modelo aberrante de ordem. Depois do nosso homem ter sido assaltado e atirado para o meio da linha, ficou bastante mal tratado, com uma grande deslocação do ombro, tendo ainda perdido os sentidos, o que lhe daria uma morte certa com a chegada do próximo comboio. Tendo-se dado o ocorrido a meio da tarde e estando várias pessoas na estação, mesmo que não enfrentassem os criminosos, pelo menos seria de esperar que o ajudassem a sair da linha, mas não, nem sequer o alertaram para a chegada do comboio. Quem o fez foi uma senhora que assistia a cena da janela de um prédio ao lado, e o nosso homem lá despertou e conseguiu sair pelos próprios meios, apesar de estar numa situação física que os médicos consideraram depois incapacitante para tal, mas este tipo de milagres são bem conhecidos por muitos relatos de situações de grande perigo.

A situação de não querer correr perigo para ajudar o próximo já revela algo de preocupante. Como vivemos numa era de cobardes, já nem percebemos que a cobardia não é uma coisa natural como sentimento permanente, mas é algo que pode afectar qualquer pessoa em certas circunstâncias, tal como acontece com a coragem extrema. Hoje em dia o ser humano parece oscilar apenas entre a cobardia moderada e a cobardia paralisante, sendo presa fácil dos lobos bem treinados. Contudo, a situação relatada revela algo que vai além disto. Todas as pessoas que nada fizeram para salvar uma pessoa de uma morte iminente (houve depois quem ajudasse) não estavam simplesmente paralisadas, elas realmente quiseram, de alguma forma, que aquela vida terminasse.

O fenómeno é psicologicamente complexo e não se pode confundir com uma simples tentativa de homicídio. A mente humana só consegue aguentar um certo nível de absurdo, e quando este se impõe como norma social – o que acontece com esta inversão de criminoso e vítima – o absurdo vai, então, ser tomado como padrão de normalidade, obrigando a toda uma reorientação de valores e de sentimentos concomitantes. A violência e o sacrifício de um inocente constituem um ritual que convida os que o assistem a uma conversão demoníaca, como se as potenciais vítimas passassem também a ter o poder dos lobos predadores. Estava toda esta monstruosidade do cidadão comum oculta até que uma circunstância especial a revelasse? De modo algum. Basta olhar em volta e perceber como está cada vez mais presente o sentimento do ódio ao próximo, apenas interrompido pela admiração em relação aqueles que Maquiavel nos ensinou a admirar.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Em Busca da Austeridade Perdida


Nos últimos anos não deve haver palavra que seja tão marcante na vida portuguesa como “austeridade”. Ouvimo-la em milhares de notícias e em inúmeros debates, e poucos são os artigos escritos sobre a actualidade onde ela não entre. Contudo, se perguntarmos a 100 pessoas sobre o que entendem por austeridade vamos ouvir 100 respostas distintas, muitas contraditórias entre si e a maioria apenas incidindo sobre uma interpretação muito particular, que apenas faz sentido para o contexto em que aquela pessoa vive. O intenso debate e a contínua informação não têm esclarecido as pessoas e é estranho que ninguém pareça se dar conta disso.

Tornou-se crença geral que a vida política é um jogo em que aquilo que se diz – seja para propor, condenar, apoiar ou até apresentado como reflexão – é apenas uma fachada que esconde as verdadeiras intenções. Em parte, isto é uma das consequências inevitáveis da democracia representativa, onde há uma exigência de abertura, porque os políticos têm que explicar as suas decisões e não devem agir em segredo, mas ao mesmo tempo o sistema tem que ser fechado já que a maioria das pessoas não conseguiria compreender todas as implicações de cada medida, por mais inócua que fosse, e isso iria paralisar o sistema. Durante algumas décadas era razoável achar que a democracia moderna funcionaria razoavelmente bem num sistema semi-aberto, onde a comunicação social e os comentadores independentes serviriam de intermediário entre os políticos e o povo, tendo o papel de fornecer a informação relevante e dando a conhecer as consequências mais importantes de cada decisão assim como as de cada omissão grave, mas poupando o público de detalhes irrelevantes. O que vimos foi precisamente o oposto. Estes intermediários são antes um tampão entre o povo e os políticos, não são independentes e ao invés de salientarem o que é importante limitam-se a discutir irrelevâncias.

Com o progresso da guerra cultural, a abertura na democracia tornou-se a brecha por onde entraram todos os demónios. Não foi difícil aos planificadores sociais perceber que já não precisavam de regimes abertamente totalitários para implementar os seus planos, ainda como que cobaias longínquas, se soubessem usar os mecanismos de abertura e de ocultação das modernas democracias. Hoje controlam a quase totalidade dos meios de comunicação social e, mais importante, a linguagem corrente. Se analisarmos a evolução do uso de palavras como “democracia” ou “liberdade” vemos que elas foram esvaziadas de conteúdo ao ponto de serem usadas para fins opostos aos que tinham há umas décadas atrás, funcionando apenas como catalisadores emocionais. A “arte política” tornou-se, então, numa forma de usar certas palavras ou expressões como pólos agregadores, onde vontades desavindas se juntam numa emoção mais ou menos homogénea, que irá depois domar o pensamento para que este entre num ciclo psicótico e, no final, aquele que pensa é apenas um veículo inerme de ideias alheias.

Isto traz-nos de volta à questão da austeridade. É loucura achar que se podem discutir seriamente questões como “deve haver austeridade?” ou “mais ou menos austeridade?” sem termos antes avaliado os próprios efeitos psicológicos que a palavra “austeridade” tem sobre nós. Quando pensamos em austeridade, temos uma ideia clara sobre o que se trata ou há em nós apenas uma confusão de ideias dispersas e contraditórias unificadas por uma certa emoção? A questão não é tão fácil de responder como parece. O segundo caso parece descrever um estado de indigência mental próprio dos mentecaptos e poucos se reconhecerão nesta descrição. São estados próximos da loucura, e esta assemelha-se a um sonho isolado, ao passo que a maior parte das pessoas que se indigna com a austeridade sabe que não está isolada mas faz parte da maioria. Contudo, este colectivo é apenas uma ilusão criada pelos meios de comunicação de massas, dado que as pessoas estão mais que nunca isoladas nos seus sonhos. Já ninguém toma por genuíno o que os seus olhos vêm mas aquilo que o colectivo confirma, mesmo que este colectivo não seja real mas uma abstracção criada pelos jornais.

Mas que interesse têm os actores políticos nesta alienação política e de que forma lhes convém que a “austeridade” apareça como algo difuso, essencialmente ligado a uma emoção? No caso da oposição, é fácil perceber esta vontade. Austeridade tem que ser algo imediatamente associado a sofrimento, privação, injustiça social e assim por diante. Depois de feita esta colagem, pode-se discutir a austeridade porque esta será sempre um símbolo para estas coisas e não será vista como aquilo que é, e assim a oposição poderá fazer a sua apologia de gastos desenfreados sabendo que nunca será responsabilizada por nada. Da parte do governo poderia parecer que havia um interesse em optar por um caminho inverso, onde se começaria por esclarecer, da forma mais racional e objectiva, a situação do país, mostrar que vivemos acima das nossas possibilidades, como estamos à beira da bancarrota e, logo, que é imperativo uma contracção em vários sectores, a que podemos denominar por “austeridade”, e daqui podia resultar uma associação emocional bem mais racional, ligada ao orgulho de fazer o que é certo, à vontade, à coragem, etc. De início, o próprio primeiro-ministro Passos Coelho deu a entender que queria optar por este caminho, mas rapidamente mudou de rumo e optou por uma versão encantatória do uso da “austeridade”. De um certo ponto de vista, isto parece um suicídio político, porque se trata de fazer o jogo da oposição, ao mesmo tempo que se demite das responsabilidades para com o país. Qual o interesse do governo nisto?

A minha ideia é que se trata de um interesse pragmático, que é também uma forma encapotada de abandonar todos os princípios. Para entender isto temos que entrar um pouco dentro da própria governação. Não é difícil de perceber o que deve ser essa tal de austeridade e por onde se deve cortar. Contudo, o governo rapidamente chegou à conclusão que não podia cortar onde devia, se é que alguma vez teve essa intenção, porque isso iria mexer com gente poderosa e com uma constituição socialista. Então, só restava ir ao sítio do costume e sobrecarregar a classe média de impostos. Mas isto não é austeridade, é saque fiscal, para a qual aconselho a seguinte leitura que faz um enquadramento mais vasto:



Cinicamente, quando o governo desistiu da verdadeira austeridade – calculo que tenha sido logo nas primeiras semanas de governação, bem antes do primeiro (?) chumbo do Tribunal Constitucional – foi precisamente quando aderiram à retórica da “austeridade”. Nada tem isto de contraditório, porque a retórica da “austeridade” significa esvaziar a palavra de conteúdo para poder usá-la em sentido inverso do que devia ter. Ou seja, a verdadeira austeridade seriam cortes na função pública, nos institutos, nas PPP e assim por diante, mas agora o governo pode esquecer tudo isto e aumentar impostos dizendo que é em nome da austeridade. Trata-se de uma manobra de grande cinismo e um embuste tão grande ou maior do que aquele que faz a oposição. Nada disto me espanta nos políticos, mas ainda fico surpreendido por não ver ninguém a descrever estas coisas.