O
título deste post pode
dar a entender que vou falar dos milhões da troika ou algo assim,
mas nada disso. Para evitar uma situação de bancarrota, Portugal
recebeu um empréstimo de 78 mil milhões de euros. Não se trata de
uma verdadeira salvação do país porque nada garante que os erros
cometidos não voltem a ocorrer. Certamente que era necessária uma
injecção de dinheiro (o que não implica uma
aceitação do memorando da troika) para fazer face a uma catástrofe
iminente, mas se nada se alterar na consciência das pessoas, cedo
precisaremos
de igual ou superior quantia, de modos que o nosso
endividamento transcenderá o crónico.
Então, a salvação a que me refiro de Portugal tem a ver com um
saneamento intelectual e cultural. Mesmo admitindo que existe massa
humana com qualidade e carácter necessários para o empreendimento,
estas
pessoas encontram-se dispersas e presas a outras actividades, pelo
que lhes resta pouco tempo para darem o seu contributo, além de não
terem orientação para saber como poderiam ser mais úteis. Então,
seria literalmente necessário contratá-las
para que possam estar totalmente dedicadas à tarefa de salvar
Portugal. Fiz umas contas para um projecto de duração de 10 anos
(se após esse período nada de notável tivesse ocorrido, o projecto
seria um falhanço) e fiz uma estimativa de custos: 100 milhões de
euros. Aqui se incluiria:
1.
Um Centro de Estudos: com cerca de 20 intelectuais, cujos estudos
incidiriam sobretudo na história, da filosofia e na verdadeira
ciência política, mas também com
intelectuais conhecedores de outras matérias, como a economia ou o
direito. A ideia é sobretudo desfazer alguns mitos criados ao longo
de gerações e expor algumas fraudes intelectuais em voga, para além
do trabalho específico dentro de cada área. Estão também
previstas algumas despesas específicas para alguns estudos
especiais.
2.
Um Grupo de
Guerra Cultural:
também com cerca de 20 pessoas, não tão especializadas como os
anteriores mas treinadas para actuarem diariamente e em cima dos
acontecimentos nos jornais online,
nos blogues
mais visitados, na Wikipedia
(muitas crianças consultam-na para trabalhos de escola), etc. Para
além disto, fariam mais duas tarefas muito importantes mas
discretas. Iriam mapear a verdadeira estrutura de poder em Portugal,
incluindo as ligações ao exterior, pelos rastos que eles vão
deixando, desde os grandes financiadores até aos jornalistas que
fazem trabalhos especializados, passando pelas ONG, sociedades
secretas, etc. Outro trabalho, seria a análise dos programas
políticos em circulação, sejam nos partidos, seja nas
universidades ou outros fóruns, sendo que análises mais
aprofundadas devem
ter a participação dos intelectuais do primeiro grupo.
3.
Uma Biblioteca e um Centro de Documentação: destinados a servir de
apoio aos grupos anteriores. A biblioteca devia apontar para cerca de
100.000 livros “normais” cobrindo todas as lacunas existentes no
mercado e em muitas bibliotecas, mais cerca de 10.000 raros, além de
cerca de
100 enciclopédias. Os números são relativamente modestos mas o
objectivo não é criar uma biblioteca genérica mas uma que esteja
especializada em algumas áreas chave e
na própria cultura clássica. O centro
de documentação não só englobaria todo o tipo de documentos que
não são livros como as próprias publicações efémeras que possam
conter dados úteis ao mapeamento da estrutura de poder, além de
documentos que possam ser úteis para uma caracterização
sociológica da sociedade.
4.
Uma estação de radio: ao que se pode acrescentar, ou substituir
eventualmente, uma radio online.
Em geral, o público radiofónico é mais conservador que o público
televisivo, mas é um meio que está muito mal aproveitado, e
tem a vantagem de ser muito menos
oneroso do que entrar nos canais
televisivos.
5.
Um jornal online:
não só para dar informação de confiança, como possa servir de
watchdog
de blogues, televisões e outros jornais. Trata-se de um
prolongamento e de um complemento da acção do Grupo
de Guerra Cultural.
6.
Uma revista mensal impressa: com artigos de
nível de excepcional
mas tentando ser ainda acessíveis a um público alargado
mas exigente.
7.
Uma editora e uma livraria: a editora devia ter uma tripla vocação
– voltar a editar obras importantes que saíram fora de circulação,
dar voz a autores com valia que estão na sombra e publicar obras
fundamentais traduzidas em
falta. Devem estar cerca de 20 tradutores a trabalhar em contínuo,
mais alguns convidados para trabalhos especializados,
sendo possível ainda aceitar traduções de particulares que mostrem
alguma competência. A livraria deve ser um local de excepção, não
só livre das execráveis novidades mas também extirpada de viés
ideológico, dando
permissão de entrada a todas as correntes políticas e expressivas.
O espaço deve também estar associado a um auditório.
8.
Um auditório e palestras trimestrais: as palestras devem ser dadas
quer pelos intelectuais do grupo, quer por especialistas de nível
internacional, numa espécie de ciclo de conferências. Para além
destes eventos de peso, o auditório pode ser usado para outros
eventos, como o lançamento de livros, projecção de filmes, aulas,
cursos de formação, etc.
9.
Outras instalações de apoio: não apenas salas de trabalho e
gabinetes específicos, mas também quartos de alojamento para
receber estudantes e professores visitantes, refeitório, etc. Um
objectivo é precisamente poder dar cursos quer sobre matérias base
actualmente desprezadas (cultura grega, latim, filosofia, história)
mas também sobre matérias específicas importantes para compreender
a sociedade actual, nomeadamente as ligadas à
guerra cultural e à
história contemporânea.
O
custo que estimei para estes nove pontos, de 100 milhões de euros,
inclui infra-estruturas, recursos humanos, manutenção e
equipamento, mas naturalmente que nem todos os factores foram tidos
em conta. Não foram contabilizadas eventuais receitas que algumas
destas actividades possam fornecer. Não é um projecto empresarial
porque nem vale a pena perder tempo com os nossos empresários de
“topo”, que são coniventes com o regime existente. Trata-se de
um custo elevado para um país do tamanho de Portugal, mas seria
relativamente insignificante para o Brasil, onde não seria
necessário fazer uma coisa muito maior do que
isto para ter um impacto semelhante, se abstrairmos outros factores.
Obviamente que se trata apenas de um exercício especulativo, mas
serviu logo para perceber que o custo de fazer uma coisa que
considero que possa ter algum impacto é muito maior do que suponha à
primeira vista. Com o nosso nível de impostos, para pagar às
pessoas condignamente, cerca de ¾ do total teriam que ser reservados
a salários. Tudo
isto poderia já estar a ser feito se as universidades, institutos e
fundações estivessem a fazer aquilo a que nominalmente se propõem.