quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O dia em que Portugal morreu (3)

O que uniu aquelas pessoas que se manifestaram no dia 15 de Setembro? Formalmente tratou-se de uma manifestação contra o governo e contra a troika. Mas ninguém acredita que todas aquelas pessoas queriam prescindir do resgate que o país vive e iniciar um caminho totalmente diferente, se bem que isso tivesse algumas vantagens. As pessoas estavam obviamente unidas por um sentimento de insatisfação, mas se perscrutarmos as causas dessa insatisfação descobrimos algumas coisas curiosas. Enquanto muitos protestavam contra a anunciada redução efectiva de salários no sector privado, via ajustamento da TSU, outros queixavam-se da degradação da situação dos funcionários públicos. Obviamente que as duas pretensões implícitas são contraditórias no quadro actual. Uma jovem de ar confuso reclamava que era cada vez mais difícil arranjar estágios profissionais porque estavam sempre a sair novos alunos das universidades a fazer-lhe concorrência, mostrando pouca solidariedade para com muitos dos seus colegas de protesto que anseiam por uma primeira oportunidade profissional. Se pensarmos em termos de pretensões mais conceptuais, havia quem queria claramente mais socialismo e quem queria menos Estado, assim como quem queria mais solidariedade europeia e aqueles que queriam desligar-se da Europa e do Euro.

Isto quer dizer que, se aquelas pessoas estivessem devidamente organizadas pelas suas pretensões, assumindo um discurso em conformidade e fazendo as exigências em consonância – ou seja, exigindo que outros assumam uma série de deveres correspondentes aos direitos que elas reivindicam –, então, não haveria ali qualquer união mas uma série facções degladiando-se. Na realidade, é exactamente isso que acontece mas cada indivíduo não tem disso uma consciência clara (porque a paga entre direitos e deveres não é directa), apenas uma desconfiança difusa em relação a todos, que se materializa em certas circunstâncias contra um bode expiatório. Em geral, são os próprios governantes que usam esta estratégia para concentração de poder, através da variante “dividir para reinar”. Ou seja, é mais fácil reinar quando o grupo está dividido em várias facções, cada uma delas com pouca consciência do estado geral de coisas, pelo que acabam por ceder ao poder mais focado e consciente de si mesmo e da situação geral.

Mas quando os governos são pouco hábeis politicamente, a mesma estratégia pode ser usada por forças com pouca expressão eleitoral, que desta forma tentam representar uma pretensa consciência unitária do grupo. Para isso, é necessário domínio das modernas técnicas de propaganda e apoio da comunicação social, dois requisitos cumpridos pela extrema-esquerda, em especial pelo BE. Uma carrinha de caixa aberta distribuía aleatoriamente cartazes aos manifestantes, que os aceitavam acefalamente, recebendo assim uma consciência emprestada. O cenário orweliano está montado e quem entrou nele sem pestanejar pode ter sofrido danos irreversíveis para a sua inteligência.

Passaram uns dias e o governo recuou na alteração à TSU, para aumentar o IRS, e o resultado global para a economia pode ainda ser pior. Mas todos reclamaram vitória e fingem que se está a debater algo de relevante. O cidadão comum saltou do tacho para a frigideira, deverá estar um pouco confuso. Valerá a pena entrar em nova manifestação e correr o risco de ser colocado no micro-ondas?

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