A acção é uma dupla escravidão, mas também uma dupla libertação. A
acção começa por nos escravizar o corpo, por vezes até nos tomando a vida, e
cada homem sente isto porque nele há sempre um desejo latente de viver na terra
de Cocanha. Mas a acção também escraviza porque nos pode tomar a alma, que
ficar retida ou suspensa pelos fins limitados, e assim coloca-nos abaixo dos
animais, já que para estes a pura acção não está em oposição à natureza que os
possui. Ou seja, o homem tem a capacidade de ser apenas animal, mas assim nem
chega a ser homem, torna-se numa besta mitológica.
Também a reflexão é uma dupla escravidão e uma dupla libertação.
Ela pode libertar-nos da escravidão da acção. Por um lado, ela pode libertar o
corpo, encontrando melhores formas de o usar ou dando-lhe ferramentas que o aliviam.
E a reflexão também libertará a alma presa à acção, dando um contexto e um
sentido a cada tarefa.
Contudo, a reflexão também escraviza o corpo, inundando-o desejo.
Podemos achar que o desejo é mero instinto e imaginação, mas ele apenas se
torna avassalador com a ajuda da reflexão, que trabalha cada inclinação e
imagem para formar uma bola de neve incontrolável. A acção servirá, então, de
elemento de alívio, que libertará energia e tensões. E a reflexão também
consegue escravizar a alma, prendendo-a a concepções irrealistas, a teorias
fantasiosas, que no limite podem levar à loucura. A libertação pode vir pela
acção, que começa logo por nos prender às condições de espaço e tempo,
dando-nos assim de forma implícita um princípio de orientação.
O ser humano está assim colocado numa cruz (e este simbolismo
aplica-se a muito mais situações), em que um eixo é a alma e outro o corpo. Em
cada eixo existem as forças actuantes
da acção e reflexão. O homem está numa
situação de permanente instabilidade, sendo puxado nas várias direcções e
frequentemente esquece que pode decidir como quer usar os elementos à sua
disposição, ainda que tal não lhe dê de imediato o controlo sobre os mesmos.
Podemos ser treinados para agir e para reflectir, mas seremos como que meras
máquinas defeituosas enquanto não soubermos como e quando combinar estes dois momentos.
Nota: Este post e este aqui partiram exactamente da
mesma experiência de base – uma simples mudança de habitação – e exemplificam
as diferentes posturas que tenho em cada um dos blogues.
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