segunda-feira, 22 de julho de 2013

Sociedade de eunucos

Os imperadores da antiguidade serviam-se, com frequência, de uma guarda pessoal de eunucos. Não deriva isto de alguma perversão especial ou apenas da tentativa de assegurar que as mulheres da corte estivessem a salvo de investidas sexuais. O eunuco era dócil sem perder a sua força, mas mais importante que isso, ele não era apegado a uma família mas apenas ao seu mestre. Nas modernas sociedades a castração física é coisa considerada repugnante, contudo, as qualidades dos eunucos continuam a ser bastante apreciadas.
Com o surgimento dos meios de comunicação de massas foi possível criar figuras como o “duce”, o “führer”, “o pai dos povos”, que criavam um sucedâneo dos eunucos usando tanto o encantamento como a repressão. E havia ainda os eunucos de elite, as modernas guardas pretorianas dos grandes ditadores, compostas por aqueles que nasceram com uma compulsão irresistível para seguir o chefe e executar os seus desejos mais mórbidos.
A vitória das democracias sobre algumas ditaduras ditou que se considerassem aberrantes práticas como as do culto da personalidade ou a existência de guardas de elite fortemente ideológicas. A democracia admite apenas o cinzento, o morno, chefes sem carisma, mas é uma ilusão achar que a fome de poder desapareceu. Os poderosos já não sobem aos palanques e tentam encantar as massas pela sua palavra, antes escondem-se atrás de políticos amorfos e sem carisma. Então, o culto já não pode ser o da personalidade mas o do próprio sistema, dos cargos de soberania, do Estado que não é nação mas uma espécie de forma platónica. O próprio desprezo a que os políticos são votados serve este propósito, porque realça, por contraste, a perfeição do sistema onde cada um projecta os seus desejos. E os cidadãos da democracia aceitam isto porque já foram todos transformados em eunucos pelo individualismo liberal, pelo Estado social e por toda a engenharia da sociedade atomizada.
Mas os “democratas” não controlam o poder apenas mediante o controlo da populaça de eunucos – que não faz distinção de classe social –, tendo também as suas guardas pretorianas que assustam os pequenos eunucos, tornando assim ainda mais premente a necessidade destes de segurança e de protecção do sistema. Estranhamente, as modernas guardas pretorianas de eunucos parecem não ter ligação com o poder: fazem parte das claques de futebol, integram movimentos de ruptura, e são mesmo os jovens delinquentes sem causa. Ao fragmentarem a sociedade, mas ao mesmo tempo não tendo uma coesão e um projecto de poder concorrente, eles são os melhores protectores de um sistema que vive da fraqueza dos indivíduos.

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