quarta-feira, 20 de março de 2013

Programa ideal de governação (12)


18. Fim do sistema parlamentar e extinção de todos os partidos – Os sistemas parlamentares estão em crise em todo o mundo e em Portugal nem sequer podemos apontar um único período em que algum parlamento eleito tenha tido algum brilho. É um eufemismo dizer que a democracia dos partidos é representativa, porque os partidos apenas se representam a si mesmos e aos seus interesses, que não têm que ser exclusivamente materiais. Uma democracia realmente representativa é aquela em que os representantes não só estão mais próximos das pessoas mas também, ao invés de as representarem em abstracto, fazem a sua defesa nas diversas formas de participação social que elas têm (contribuinte, profissão, classe social, família, etc.). É uma ilusão achar que os partidos estão em crise e, por isso, irão se dissolver por si mesmos, porque muito antes disso já eles terão destruído o país. Não se trata de desenhar um novo modelo de Estado a régua e esquadro mas reconhecer a estrutura da própria sociedade e fazê-la reflectir os vários grupos em disputa e as necessidades de representação realmente existentes e a que níveis devem estar colocadas.

A partir destes princípios pode ser desenvolvido um enorme volume de trabalho teórico e prático, partindo do princípio que a lógica dos partidos seja abolida. Para participar na polis de hoje, qualquer pessoa tem, em primeiro lugar, que se filiar num partido, o que significa, desde logo, partilhar um número mínimo de crenças e práticas, implicando isto também certos deveres de fidelidade, caso contrário o partido não permitirá que o indivíduo suba internamente até chegar a ser um dos elegíveis para cargos internos e externos. Isto quer dizer que o sistema atrai, desde logo, pessoas com mentalidade sectária ou cínicos que não se importam de vender a alma se isso lhes der algum tipo de vantagem. Então, a própria existência de partidos tem uma dupla limitação: por um lado, tende a escolher pessoas de personalidade pouco respeitável; de outra parte, aqueles que são eleitos pelos partidos, quando em funções, têm sempre que responder àquilo que a estratégia global dita, o que frequentemente entra em contradição com os deveres que a sua função obrigaria.

Os partidos não têm que ser necessariamente antros de podridão, mas a experiência mostra que aqueles que são mais sérios tendem a ter uma expressão eleitoral residual, e que os mais bem-sucedidos são os que não olham a meios para atingir os fins. Esta lógica degenerada do sucesso tem a ver com a psicologia daquilo que é um partido: este é assumidamente uma facção, uma hipérbole do discurso retórico. Sempre haverão estas facções, mas quando elas se tornam em instituições organizadas, vão cristalizar posições que deviam ser efémeras e de âmbito limitado e tentar ditá-las para toda a sociedade e sem admitir possibilidade de retorno. Isto é intrinsecamente absurdo, e para o partido sobreviver só resta apresentar os outros partidos com as imagens mais odiosas e repulsivas. O parlamento torna-se, então, num teatro de ódios, que em grande parte é um fingimento, dado que os vários actores estão bem confortáveis e partilham das mesmas opiniões de fundo, mas a sociedade reage polarizando-se entre falsas alternativas e apenas entende uma retórica de ruptura e de confronto, que validam a actuação política apesar do desprezo pelo conteúdo. Neste contexto vão ser eleitos aqueles que melhor encarnam esse vazio substancial mas que tenham uma pose condizente com encenação do conflito, e por isso se explica que sejam eleitas tantas figuras patéticas para os mais altos postos, que exibem comportamentos que oscilam entre a vitimização infantil, a acusação injusta aos adversários (ou justa mas de erros que o próprio cultiva) e a pose messiânica.

Claro que o discurso político não pode ter um conteúdo puramente opositivo, ou não haveria qualquer proposta positiva, mas quando se fica por aí todos vão achar que não tem chama, porque falta aquela pimenta do confronto; falta a divisão entre nós, os bons, e eles, os pérfidos. Toda a gente critica a baixaria da política mas todos esperam ansiosamente por ela, que as farpas sejam lançadas e que espumem de raiva os inimigos, quase sempre imaginários. Mas é tudo uma farsa porque não há verdadeiro confronto. Muitos comentam, com desilusão, que os políticos atacam-se com violência no parlamento ou frente às câmaras de televisão, mas nos bastidores são todos amigos. Isto é como querer que os actores que representam Otelo e Iago sejam igualmente inimigos na vida real.

Temos ainda de entender o parlamento em sentido lato, já que grande parte da actividade política foi transferida para jornais, rádios e, sobretudo, para a televisão. É neste meio que jogam os partidos, é onde apostam as suas cartas e é também para isto que fazem as suas encenações no próprio parlamento, na esperança de que as televisões sejam benévolas ao exibir uns segundos dos seus momentos mais acutilantes. Então, o sistema partidário é uma enorme encenação mediática, onde se exibe um confronto quase sempre entre falsas alternativas. Contudo, isto cria uma polarização na sociedade, que não é um saudável confronto entre ideias realmente distintas mas um falso antagonismo que faz os homens desconfiarem uns dos outros. Chega a ser patético que num país em que só existem, com peso eleitoral e social, partidos socialistas, a ideia geral é a da existência de profundas clivagens ideológicas e de posições irreconciliáveis. Da mesma forma, na União Soviética e na China maoista bastavam desvios insignificantes de opinião – ou meramente inventados – para desencadear infindas sessões de torturas e matanças desenfreadas. As coisas tomam este rumo, com mais ou menos violência, sempre que se tenta implementar um sistema intrinsecamente absurdo, já que ele imediatamente entra em colapso e é necessário encontrar culpados, e então começa a loucura de tentar encontrar perigosos desvios dentro de uma homogeneidade quase absoluta.

Pode parecer-nos estranho hoje viver numa sociedade sem partidos e sem que isso signifique estarmos em ditaduras. Estamos habituados a ter os partidos como intérpretes da vida política, cujo âmbito se alarga de dia a dia, e não percebemos que isso não é uma situação normal da História humana e que é uma grande limitação da própria liberdade, bastando pensar como as dimensões significativas de participação social ficam enormemente reduzidas ao nível do apoio de alguma facção, e a isso de denomina ironicamente como a conquista da cidadania. É necessário entender que não é possível querer que os políticos façam algo pelo país se os colocamos num sistema que tem, por princípio, a própria divisão do país em facções de costas voltadas. Salienta-se a falta de um elemento unificador, que não existe para abolir os conflitos internos mas para garantir que eles não destruam a sociedade.

1 comentário:

MIGUEL disse...

TUDO CERTISSIMO.
ACRESCENTAR QUE OS PARTIDOS TRABALHAM PARA PODER E DINHEIRO, PORTANTO PARA QUEM PAGA. LOGO SAO ENTIDADES TRAIDORAS AOS INTERESSES DA NAÇAO E O SEU POVO

Abraço