quinta-feira, 28 de março de 2013

Programa ideal de governação (14)


O programa ideal de governação é na verdade uma decepção para todos aqueles que, por falta de imaginação, necessitem de uma inspiração para elaborar um projecto de conquista de poder dentro dos moldes de funcionamento do actual sistema. Este programa foi aqui idealizado não como o fazem os revolucionários, que se dão ao luxo de poder sonhar com todo o tipo de perfeições inalcançáveis, mas em função das potencialidades reais dos portugueses, estimadas não a partir de desejos pessoais mas das realizações históricas, assim como do estado presente – moral, anímico, intelectual – do país e da conjectura onde se insere. É também recriando esse contexto que o programa deve ser lido e descompactado.

Penso que não preciso perder explicando que o programa não tem uma estruturação sectorial mas segue uma organização mais pedagógica, começando por medidas específicas e de limpeza ética, subindo no nível de abstracção até chegar a medidas mais simbólicas e estruturantes. Naturalmente que muitas outras medidas podiam ser acrescentadas ou tomar o lugar de algumas das que foram propostas. Há também outras medidas circunstanciais que foram omitidas dado se tratarem mais de questões elementares de higiene intelectual e moral, como a proibição do aborto e o aborto do acordo ortográfico.

À primeira vista, o programa pode ser dito “ideal” porque propõe um conjunto demasiado grande de medidas difíceis de aplicar. Numa situação de normalidade democrática – o que hoje em dia estou inclinado a achar que se trata de algo intrinsecamente absurdo – um programa de governação devia ser muito diferente, tendo apenas umas poucas medidas de fundo e tentando melhorar as restantes áreas sem fazer alterações significativas. Na situação actual, contudo, qualquer medida de fundo será imediatamente engolida pelo sistema e mesmo as tímidas tentativas de melhorar – ou até de manter o nível dos vários sectores – encontram múltiplos empecilhos. Isto quer dizer não apenas que o sistema não tem concerto mas que ele é auto-destrutivo, considerando eu que estamos já a viver em plena evidência disso. Então, resta apenas substituir este sistema por outro totalmente diverso – isto se ainda quisermos ser senhores do nosso destino e não estar sob domínio completo de alguma força externa que tome o nosso território –, e daí a necessidade de um conjunto alargado de medidas de fundo assim como de medidas emblemáticas que não permitam a proliferação de ervas daninhas.

Esta substituição total do sistema pode, em teoria, ser feita de duas formas, sendo uma rápida e assumida (no momento de colocar em prática, entenda-se) e outra lenta e imperceptível. A forma rápida necessita de um exército real (nas suas várias vertentes, incluindo a intelectual e espiritual) já reunido e com fidelidade à hierarquia. É muito difícil saber se ainda existe massa crítica em Portugal para fazer tal coisa, mas mesmo as pessoas que são válidas precisam de ser sensibilizadas para isso, e daí este meu modesto esforço. A estratégia lenta e imperceptível é um acto de guerra cultural que emula aquilo que os revolucionários fizeram com sucesso, obtendo uma hegemonia quase completa em todos os lugares com alguma relevância política ou social. É algo que só terá efeito daqui a 30 ou 40 anos e começa, antes de tudo, por um assumir da posição inicial de derrota em toda a linha. A conquista de espaços é feita palmo a palmo, silenciosamente, e quando se adquire poder suficiente impede-se a entrada dos adversários, dado que estes também utilizam o jogo democrático apenas como fachada para eliminar os seus adversários. Dada a lentidão da estratégia, há o risco de não haver tempo de impedir o fim de Portugal.

Pode-se, é claro, tentar combinar de alguma forma as duas estratégias, mas a articulação é problemática, embora deva ser pensada. Há ainda que contar com a alteração de factores que possa alterar o quadro geral. Em termos puramente internos, penso que não há que contar com «consequências inevitáveis» da continuada degradação do sistema político: hoje em dia temos em altas funções psicopatas, pedófilos, partidários do genocídio e assim por diante. Nada disto faz com que o sistema quebre por dentro – num certo sentido até se fortalece porque à partida exclui pessoas integras que o podiam colocar em causa –, nem que as pessoas se insurjam, já que estas sem uma voz que as unifique são obrigadas, devido a um mecanismo de protecção psicológica bem conhecido, a tomar o monstruoso como modelo de normalidade. Resta apenas, creio, que nos sejam enviados homens providenciais, mas para será que a Providência ainda nos acha dignos de recebermos tal dádiva?

Em termos externos, as perspectivas em cima da mesa também não são nada animadoras. Em termos europeus, há o risco do fim do Euro e do fim da União Europeia, coisas em si positivas mas devastadoras para Portugal se não começarmos desde já a pensar fora deste paradigma. Caso a União Europeia se mantenha, o nosso declínio continuado ditará o nosso fim como entidade soberana, pelo que seremos integrados no velho continente como uma mera província sem alma. A provável implosão europeia dará uma abertura para a reconquista muçulmana, cujas facções mais radicais estão neste momento a ser fortalecidas pelas elites ocidentais. Mas o perigo de maior monta vem do bloco russo-chinês cujo conjunto de acções (espionagem política e industrial, política de armamento maciço, guerra económica/financeira/cibernética, promoção da destabilização política no médio oriente, Magrebe, Irão, Coreias, etc.), apesar de ignorados pelos meios de comunicação de massas, revela apenas um processo já em curso de conquista global, com a agravante de tudo isto fazer parte explícita da ideologia eurasiana. Em relação a qualquer uma das ameaças, as melhores hipóteses de Portugal ditam sempre que nos destaquemos como unidade política autónoma, naturalmente com o máximo de auto-suficiência e com boas ligações estratégicas, nomeadamente aos países lusófonos. Estando os EUA entregues na mão de traidores, a longo prazo tenho as maiores reservas em considerar algum tipo de aliança com esta parte do Atlântico, que facilmente nos entregaria na mão do urso ou nas garras do dragão, mas tudo vai depender de como e se os americanos conseguirem entender a distopia onde se meteram e de como devem se livrar dos traidores.

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