sexta-feira, 22 de março de 2013

Programa ideal de governação (13)


19. Extinção da República e restauração da Monarquia – Este último ponto pode dar a entender que, no fundo, todo o programa é apenas uma defesa da restauração da monarquia. Caso assim fosse, estaria a prestar um mau serviço à causa monárquica dado que não me debrucei o suficiente sobre o assunto, pelo que deixo a tarefa aos que estão capacitados para tal. Faço aqui a defesa da monarquia à luz deste programa ideal de governação, sem com isto pretender esgotar o assunto ou achar que estou mostrando os melhores argumentos que existem em defesa da causa real. Contudo, penso que algumas das observações que aqui deixo podem ser úteis aos próprios monárquicos.

Confesso que inicialmente a minha proposta seria a de dar a escolher entre a monarquia e república, mas depois percebi que o programa se tornava inviável em república. A república em Portugal não apenas começou de forma deplorável como teve sempre um funcionamento caótico, tendo tido apenas alguma estabilidade durante o período do Estado Novo, a que os republicanos não se querem associar, mas foi o melhor que conseguiram. Sendo este republicanos revolucionários, nunca irão querer estar plenamente associados a algum regime que tenha existido mas apenas a um movimento em direcção ao futuro, onde podem colocar todas as esperanças. Se analisarmos todos os argumentos de republicanos, socialistas ou liberais percebemos sempre este fundo latente, de quem nunca assume responsabilidades por falhas passadas mas coloca esperanças desmedidas no futuro que justificam quaisquer monstruosidades de percurso. Dessa forma, é fácil a um republicano, por exemplo, comparar o seu modelo ideal de república com uma imagem concreta da monarquia escolhida a dedo, nomeadamente de um período de decadência desta.

Assina-lo também que a questão da escolha entre monarquia e república está viciada dado basear-se numa comparação entre alternativas que não se colocam no mesmo plano a não ser de um ponto de vista estritamente formal. A república aparentemente baseia-se na liberdade de escolha, dado que o chefe de Estado pode ser qualquer um em teoria, mas na verdade não admite alternativa a si mesma, tendo-se imposto pela força sangrenta. Ela nunca se coloca a si mesma como uma alternativa entre várias outras mas antes assume-se como uma inevitabilidade histórica e, por isso, indiscutível. A monarquia parece, por outro lado, não dar poder de escolha (falando em termos de monarquias mais usuais), já que o rei é deliberado por via hereditária, mas na prática baseia-se num escrutínio diário da relação de confiança entre o soberano e os súbditos. Isto significa que a monarquia se coloca a si mesma em escolha e em risco de forma permanente. Ao invés da diferença essencial entre monarquia e república estar centrada na forma de escolha do chefe máximo do Estado, ela centra-se realmente na forma como os cidadãos acedem ao soberano simbolicamente e até materialmente.

A própria noção de soberano em república é mera figura de linguagem, já que se ele fosse mesmo soberano não tinha necessidade de se fazer eleger. Para se eleger tem que se corromper perante o público, prometer o que não vai cumprir, tanto que, logo que eleito, se afasta desse mesmo público para não ter que lhe prestar contas, voltando a ele apenas em encenações mediáticas que o isolam verdadeiramente das pessoas de carne e osso. Em parte, isto tenta emular a figura pública do rei, mas o fenómeno é bem diferente. O rei não simula distância e altivez para se livrar do escrutínio público, pelo contrário, ele coloca-se em escrutínio evidenciando a solidão do cargo que tem e das responsabilidades a que não se pode furtar. Ele não tem que se rebaixar para conseguir votos, antes é o exemplo supremo que inspira todos os que estão à sua volta. O que torna o rei uma peça fundamental neste programa é precisamente este movimento ascensional e de congregação que ele provoca, necessário para a confluência de energias e para ligar uma série de medidas que, de outra forma, teriam paternidades múltiplas e iriam anular-se umas às outras na tentativa individual de concretização.

Mas o conceito de primus inter pares não diz respeito apenas às possíveis origens da monarquia, mostra também a necessidade do rei ter próximo de si uma elite muito capaz, ao ponto até de, no caso de fim de uma dinastia, poder fazer surgir um novo rei de outra linhagem. Eric Voegelin não acreditava que a crise ocidental se pudesse restaurar fazendo uma reforma das instituições políticas e sociais, dado que a crise da modernidade é uma crise espiritual – um afastamento da fonte divina da ordem. Também não acreditava que a maioria teria forças para lutar contra a pressão desordenadora da sociedade moderna, apenas uma elite o poderia fazer. Para ele, o restauro da ordem seria uma tarefa de carácter filosófico, embora ele não desligasse isso da própria restauração do cristianismo. Serve isto para dizer que um rei precisa de um exército a seu comando, que terá evidentemente uma vertente militar, mas também uma componente espiritual e outra intelectual.

Efectivamente, para cumprir este programa que aqui delineei é necessário um exército apto a combater em diversas frentes. Há muita gente que simplesmente deve ser corrida a pontapés dada a sua nulidade, muitos outros terão que ir para a cadeia pagar pelos seus crimes. Mas se a sociedade não for purificada, logo surgirão outros para tomar lugar destes e nada de importante será alterado. A figura do rei é fundamental porque ele já é o símbolo daquilo para onde o país deve caminhar, e sem isto ou caímos no niilismo ou na vertigem revolucionária. Só de forma muito esquemática este exército real emula a antiga corte do rei. As funções essenciais têm que se manter sempre de alguma forma, mas isso não implica uma tentativa de copiar exactamente os modelos que existiram historicamente. Por exemplo, o clero da antiga corte era ao mesmo tempo um poder intelectual e espiritual (em termos sociais, estes poderes são realmente apenas um, que tem como finalidade primordial a delineação do campo de actuação das pessoas, grupos e instituições). A separação das funções não deve ser um dogma, mas existem tarefas específicas que cabem a cada parte, e a própria elaboração deste programa cai dentro do âmbito mais estritamente intelectual. Por outro lado, o restauro de uma classe guerreira, e não apenas de um exército regular, é uma necessidade mas algo que não é fácil de obter, mas acredito que temos em nós ainda o germe necessário para tal. O povo nunca será um problema desde que deixe de ser tratado como populaça e lhe sejam dados os meios de puder viver no seio de verdadeiras famílias.

A burguesia pode ser um problema. Ela teve um movimento de ascenção obtido à custa de um declínio de quase todos os outros “pares” do reino. Há que dar um lugar ao capital que corresponda à sua verdadeira importância para o funcionamento da sociedade Os comunistas sempre souberam que os capitalistas partidários do movimento deviam se submeter aos intelectuais. Os capitalistas que se queiram juntar ao exército real têm que perceber que os seus milhões não lhes dão o direito a ter uma opinião que mereça ser ouvida, antes estão lá para seguir o rei e a sua elite espiritual e intelectual. Mas hoje qualquer ricaço acha-se um iluminado e começa a agir como se fosse um reizinho, o que inevitavelmente atrai uma corte de oportunistas que o irão manobrar.

O último post, onde se defendia o fim dos partidos e do sistema parlamentar, ficou incompleto porque necessitava deste aporte da restauração da monarquia. Se o parlamento é o órgão máximo de soberania, e se este tem como base as clivagens entre partidos, logo torna-se num elemento desordenador da sociedade (em grande parte, isso acontece pela produção incontrolada de legislação). A monarquia parlamentar obviamente que não pode resolver o problema, porque o rei já não é aí soberano e o seu papel de mediação não só é ineficaz como fará com que as falhas do parlamentarismo sejam imputadas à própria monarquia. Então, a monarquia deve rejeitar o parlamentarismo, sem achar que isso é cair no “antigo regime” absolutista. O absolutismo não é de todo parte da antiguidade, é antes um dos pontos cardeais da modernidade revolucionária. Portugal nunca conheceu verdadeiramente este regime e é significativo que o único “monarca” absoluto não tenha sido verdadeiramente um rei, estando obviamente a referir-me ao marquês de Pombal.

A reformulação do sistema político é aqui vista como um bloco, englobando o fim do parlamentarismo e da república – num quadro também delimitado pelas outras medidas do programa –, colocando no seu lugar uma monarquia com novos pares do reino, que podem ser eleitos, advindos por inerência ou designados pelo rei. Cabe ao próprio rei, auxiliado pela sua elite, designar a exacta configuração do Estado e como ela deverá evoluir no tempo. No seio de amplas transformações, como aqui preconizo, inúmeros factores novos iriam surgir e que agora são imponderáveis, pelo que tem pouco sentido tentar prescrever um programa demasiado minucioso, o que por si só também consistiria numa tentativa de diminuir a soberania real.

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