terça-feira, 12 de março de 2013

Programa ideal de governação (7)

Entro agora em dois pontos que alguns defendem se tratar de meros assuntos técnicos, a serem pensados unicamente por alguns tecnocratas, cabendo aos políticos o papel de vender algumas balelas ao povo, de modo a este engolir decisões que, supostamente, estão acima da sua possibilidade de compreensão. Efectivamente, a forma como socialistas e tecnocratas discutem questões como a dimensão do Estado ou o valor dos défices são incompreensíveis para o povo, e são também incompreensíveis para os próprios actores da discussão, dado que são abstracções que denotam asco pela realidade e uma voragem louca de a substituir por alguma criação da mente humana. O povo acha que estes “sábios” debatem alguma coisa que existe mesmo, quando eles apenas estão num confronto de força baseado nas suas fés metastáticas. Proponho olhar para este dois assuntos tal como eles se apresentam e, só depois, pensar como podemos melhorar um pouco o estado de coisas.

9. Redução progressiva do número de funcionários públicos – Não é possível dizer com precisão qual deve ser o número ideal de funcionários públicos, mesmo entrando em discussões viciadas do género: “qual é o modelo de Estado que queremos?”. Se conseguirmos uma distância respeitável da discussão Público vs. Privado, tal como ela é vista hoje, percebemos que a questão não é assim tão complicada. Por um lado, é óbvio que quando um Estado chega as dimensões do actual Estado português, em que cerca de metade da população depende de prestações sociais, directa ou indirectamente, chega-se a uma situação insustentável em termos económicos, morais e anímicos: não existe gente suficiente a produzir riqueza; os poucos que a produzem são servos dos que são sustentados pelo Estado; e globalmente toda a gente se torna apática porque vive numa situação absurda, em que uns estão presos à sua escravidão e outros à sua modorra senhorial.

É também um erro achar que a solução é o Estado mínimo, que no limite nem existe ou está apenas limitado às suas funções nucleares, o que esquece que foi a partir destas que mais se destruiu a sociedade. O verdadeiro problema é só um: excesso de “sábios” a discutir o que deve ser o Estado, e embora possam haver visões opostas, todos estão de acordo que é preciso fazer algo diferente do passado. A pretensão de não repetir o passado é patética, porque pressupõe que a repetição é fácil e o passado era uma coisa amorfa, estática, absurda, esquecendo que o “progresso” iria, pela mesma lógica, achar absurdo o futuro que agora temos por radiante. O corte com o passado é também o corte com uma série de coisas fundamentais, como o bom senso, a beleza, a honestidade, a nobreza de sentimentos e assim por diante. Por outro lado, a aposta no futuro é um patrocínio a embusteiros, a aventureiros sem rumo e sem pátria, a irresponsáveis, enfim, a todos aqueles que não têm uma morada interior sólida.

Nas sociedades com existência histórica é natural existir uma tensão entre “progressismo” e “conservadorismo”, aqui entendidos da forma mais lata possível e sem entrar nos seus equivalentes em teoria política. Esta tensão implica um certo nível de angústia, não um optimismo “simplista” do camponês do Império egípcio, nem o optimismo lunático do revolucionário. Portanto, necessita de homens de um calibre superior, pelo menos alguns que regulem a sociedade pelo seu exemplo ainda que discreto. Contudo, a nossa sociedade já tem uma existência (como que) “meta-histórica”, tentando fugir à angústia existencial considerando que já vive num período em que o sentido da História se revelou por inteiro, o que é análogo ao indivíduo que está a ser internado com um surto psicótico mas acredita ter atingido a iluminação.

Em suma, é preciso cortar com a ilusão progressista, e viver não num eterno retorno mas numa existência realmente histórica, onde podemos aferir com consciência os nossos actos. Qualquer ser humano mentalmente saudável não tem um ódio visceral ao Estado nem, por outro lado, achará que “Estado” é o seu sobrenome. Dessa forma, o número de funcionários que o Estado deve ter será ditado pelo bom senso, onde se torna patente para todos a indignidade de um excesso de funcionários públicos que não façam trabalho útil assim como a necessidade, que varia com o tempo, de ter um conjunto de organismos centrais que garantam a coesão nacional a nível moral e material. Neste momento, o bom senso é visto como uma relíquia do passado a enterrar o mais rápido possível. Então, posto em termos mais simples, precisamos de muita vergonha na cara e logo deixará de fazer sentido uma discussão sobre a dimensão do Estado. Alterações fundamentais a uma “dimensão de equilíbrio” do Estado só deverão justificar-se face a um projecto unificador da nação e não ser motivadas por uma umbigologia estatista.


10. Proibição de défices superiores a 0% do PIB – Quase todos os comentários anteriores aplicam-se a este ponto. Sabemos que protestarão contra esta medida todos aqueles que se habituaram a viver à custa do erário público, assim como os políticos que gostam de comprar votos ao povo. Temos ainda alguns riscos adicionais associados aos défices do Estado, assim como ao défice da balança de pagamentos. O endividamento não é apenas um hipotecar do futuro país, é sobretudo uma transferência de soberania para o exterior e é escandaloso como tal nunca é referido (a não ser pelos comunistas, cujo enquadramento da questão, apesar de totalmente lunático, pode por vezes ditar ideias acertadas, tal como o relógio parado também consegue acertar as horas duas vezes por dia). Mesmo com a troika em Portugal, parece que ainda ninguém percebeu que endividar o país é coloca-lo na mão de entidades internacionais, quando há vários anos era evidente que isto iria acontecer, e são aqueles cujos protestos mais se fazem ouvir contra a troika que mais se empenharam para criar o endividamento que a trouxe até nós. Na verdade, até temos alguma sorte de a troika nos dizer apenas para marcarmos passo, porque se o timing fosse o da implementação oficial de um super Estado europeu, então simplesmente tinham ordenado o fim de Portugal como nação.

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